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Jaru, 21 de maio de 2024

Sobrevivente de violência doméstica, psicóloga encontra novo amor e paz ao lado da esposa em RO

Sobrevivente de violência doméstica desabafa que encontrou amor ao lado da esposa em RO — Foto: arquivo pessoal
Sobrevivente de violência doméstica desabafa que encontrou amor ao lado da esposa em RO — Foto: arquivo pessoal

“Eu sempre quis ter um lar e agora tenho”. O desabafo é de uma mulher de 45 anos que durante duas décadas foi casada com um homem e sofreu as mais diversas agressões em casa. Após ter força e coragem para se separar do ex, a psicóloga encontrou um novo amor e paz ao lado de uma mulher, sua atual esposa.

Preferindo não se identificar para resguardar o filho (fruto do relacionamento com o ex-companheiro), a psicóloga e terapeuta de Porto Velho lembra que seu antigo casamento era regado de palavras depreciativas, agressões físicas e emocionais, além de uma constante pressão para ser “perfeita”.

“Se eu sorrisse um pouco, além do que ele achava adequado, eu levava uma cotovelada. Se eu não me arrumasse com a roupa que ele achava a certa, era chamada para dentro do quarto da casa e lá ele dava um tapa na minha cara. Se tivesse louça na pia, às vezes de madrugada, porque meu filho chegou da faculdade e comeu alguma coisa, ele me acordava e me batia”, conta.

Proibição aos estudos

Enquanto estava com ex, ele também não permitia que ela trabalhasse ou estudasse. No entanto, a mulher conta que mesmo assim foi em busca de conhecimento e fortalecimento espiritual, onde começou a se dar conta de que poderia se desvincular do relacionamento e dos abusos que estava vivendo.

“Eu perguntava a Deus ‘o motivo de passar por tudo aquilo’, fui buscar ajuda em um Centro Espírita, e lá recebi apoio e comecei a entender o meu propósito aqui na terra. Estar ali me fortalecia cada vez mais. Comecei a entender que eu tinha valor, não por causa do nome e do dinheiro dele, mas por quem eu sou. Passei a frequentar o local e comecei a estudar e buscar cada vez mais conhecimento”, lembra.

Com o conhecimento, a busca por uma renda e independência financeira passou a ver prioridade na vida dela. As vendas de bolos, peças artesanais e decoração para festas eram feitas de forma com que o ex não soubesse.

“Ele não me deixava trabalhar. Eu tinha empregada doméstica, mas era a ‘responsável’ para manter tudo no lugar. Eu vivia exausta. Daí passei a vender bolo, organizar festas para amigos, isso tudo sem ele saber. Eu acordava de madrugada e passei a ganhar meu dinheiro e guardar”, relembra.

Virada de chave

Vítima de violência doméstica fala que era agredida de forma física e emocional pelo ex-marido — Foto: Jheniffer Núbia/G1
Vítima de violência doméstica fala que era agredida de forma física e emocional pelo ex-marido — Foto: Jheniffer Núbia/G1

Com a autoestima abalada, por conta das agressões psicológicas feitas pelo ex, a terapeuta lembra que foi após uma viagem com duas amigas e duas outras duas mulheres que ela conseguiu se ver como uma pessoa de valor.

“Minhas amigas sempre viajam e me chamavam, mas nunca tinha ido. Apesar do meu esposo ter condições, não ia. Mas como já tinha um dinheiro, fruto do meu trabalho, decidi ir quando uma das minha amigas me chamou. Naquela época, depois de anos ouvindo que eu não era nada, que as pessoas se aproximavam de mim por causa do dinheiro, me permiti ir com elas. Fui de coração aberto e descobri que eu era, sim, uma pessoa com valor e que não era por causa do dinheiro dele”, desabafa.

Já no aeroporto, a psicóloga recebeu um abraço cheio de calor de uma pessoa que não conhecia.

“Ela me disse que eu tinha muita luz. Naquele momento eu percebi que as pessoas me viam, além do que eu tinha, além da roupa de marca, da bolsa de R$ 48mil. Eu estava com a alma aberta e foi muito bom. A viagem maravilhosa. Tive uma vidara na chave da minha vida”, conta.

Fim do relacionamento abusivo

Antes de viajar, a terapeuta lembra que o ex destruiu um ateliê montado nos fundo da casa e disse que a relação estava “insustentável” e, por isso, preferia se separar dela.

“Ele pediu para eu dormir no quarto de hóspede, mas eu não sai. Quando voltei de viagem ele disse que não tinha mais como ficarmos casados e me encurralou no canto do quarto e levantou o punho para me bater. Naquele momento veio uma força dentro de mim, olhei nos olhos dele e disse: pode bater, me deixar no chão desmaiada como você sempre faz, mas quando eu me levantar tudo vai ser diferente. Naquele instante ele se afastou de mim e começou a gritar que eu era louca. Ele foi pro quarto de hóspede”, lembra .

Meses depois, ela já havia concluído o curso de especialização, e viajado diversas vezes para palestrar e dar aula sobre o tema em uma universidade de Mato Grosso. Ainda adquiriu um apartamento, sem o ex saber, até o momento que o homem descobriu e, por meio do advogado, deu entrada no divórcio.

“Na reunião do divórcio, o advogado dele me perguntou o que eu queria, para o compartilhar das coisas, mas eu falei que não queria nada, apenas me divorciar. Saí de lá [casa], vim pra cá [apartamento] sem nada, mas eu estava, enfim, livre e feliz”, conta.

Encontro de almas

Fortalecida emocionalmente, com especialização em psicologia positiva e morando no próprio apartamento, ela conheceu a esposa durante um almoço com amigas.

“Me lembro das vezes que sozinha, depois dele ter me batido, jogado no chão, eu imaginava minha casa do jeito que ela é hoje. Sempre pensava na minha esposa, nunca me imaginava com um outro alguém que não ela. Quando a vi pela primeira vez, meu corpo se arrepiou. Nunca tinha sentido aquilo. Eu poderia ter deixado o amor da minha vida ir embora, mas decidi colocar o número do meu telefone em um papel e pedi pro garçom entregar a ela. Foi quando tudo começou”, relembra.

Meses depois, já morando juntas, o casal decidiu oficializar a união em um cartório da capital.

Resgate sem príncipe

Em conversa com o G1, a psicóloga Thaís Tudela, que faz o atendimento das vítimas de violência doméstica no Creas, explica a importância da mulher se ver fora do relacionamento para se fortalecer e assim conseguir a desvinculação com o agressor.

“Muitas mulheres passam a enxergar que estão no ciclo da violência só quando buscam ajuda ou orientação de alguma pessoa, e começam a perceber o que está acontecendo no relacionamento e que está sendo muito frequente as agressões. Mas é tendo esse contato externo que ela, muitas vezes, começa a perceber o que está acontecendo e passa a se ver dentro do ciclo da violência e precisa buscar ajuda para sair”, pontua.

A psicóloga e mestre pela Universidade Federal de Rondônia (Unir), Selena Castiel, pontua que em um relacionamento abusivo a vítima da violência doméstica pode desenvolver depressão, síndrome do pânico, ansiedade generalizada e muitas outras doenças.

No entanto, quando essa mulher se vê como vítima e não causadora do que ela vive, pode ser o primeiro passo para a liberdade, principalmente de um “cárcere patológico”.

É o resgate de si mesma no caminho de volta. Esse caminho intrapsíquico, interno. Ninguém entra em um relacionamento idealizando um relacionamento tóxico. É necessário muito acolhimento, muito afeto, um escuta sem julgamento de pessoas próximas e claro com a ajuda de um profissional de acompanhamento psicológico”, afirma.

Ciclo da violência contra a mulher — Foto: Fernanda Garrafiel/ Arte G1
Ciclo da violência contra a mulher — Foto: Fernanda Garrafiel/ Arte G1

Fonte: G1/RO

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