Depois de seis anos da morte da estudante de jornalismo, Naiara Karine, dois acusados de envolvimento no crime vão novamente a júri popular, na próxima quarta-feira (15) em Porto Velho. O crime teve grande repercussão na capital e foi marcado por julgamentos longos, que atraíram muitas pessoas ao tribunal.
Ao todo, três pessoas foram condenadas, um réu inocentado das acusações e um suposto mandante ainda não identificado. Nos últimos anos, o caso foi marcado por homenagens da família e amigos, além de novas descobertas de uma investigação ainda não totalmente concluída, segundo o Ministério Público.
Às vésperas de mais um capítulo do caso Naiara, o G1 traçou uma linha do tempo para relembrar ponto a ponto os mais de seis anos de investigação.
24/01/2013: a estudante de jornalismo Naiara Karine, de 18 anos, sai de casa às 9h para uma aula teórica em uma autoescola. A jovem termina a aula às 11h30 e acaba sendo levada pelos criminosos a um sítio abandonado na zona rural de Porto Velho, onde é estuprada coletivamente e, em seguida, é morta com mais de 20 golpes de faca.
O corpo de Naiara é localizado pela polícia cinco horas depois de ser dada como desaparecida. A Polícia Civil chegou ao local, graças ao localizador do celular da vítima. Ela foi enterrada em Campo Bom (RS), onde nasceu.
24/02/2013: o assassinato de Naiara completa um mês. Familiares e amigos organizam uma caminhada para relembrar a data e cobrar agilidade nas investigações. Após um mês, a Polícia Civil caracterizou o crime como sequestro, estupro e homicídio, mas nenhum suspeito é identificado.
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Ao fim da passeata, balões brancos foram solto no ar em homenagem a estudante e outras vítimas de violência em Porto Velho — Foto: Vanessa Vasconcelos/G1
24/03/2013: Morte da estudante completa dois meses. Polícia Civil afirma ter várias frentes de investigação. Dezenas de pessoas são ouvidas, imagens analisadas. Nenhum suspeito ainda está preso.
16/07/2013: Polícia Civil prende o vigilante Marco Antônio, de 38 anos. O acusado confessa em depoimento que gravou um vídeo do momento em que estuprou Naiara usando o celular da própria vítima. As imagens ficam em poder da polícia. A Polícia Civil afirma que chegou ao acusado graças a imagem da cueca que ele usava no momento do crime, além de algumas tatuagens de Marco.
O vigilante já tinha prestado esclarecimentos à polícia. Ele confessou que levou Naiara até o local do crime em uma motocicleta. A polícia descarta o envolvimento de um instrutor de autoescola no crime. A polícia dá o caso como esclarecido, apesar de algumas perguntas ainda estarem sem resposta. O investigador aponta que Marco deixou implícito a participação de outra pessoa.
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Cueca ajudou a identificar suspeito segundo a polícia — Foto: Ivanete Damasceno/G1
16/08/2013: Marcos Antônio é indiciado por estupro e homicídio triplamente qualificado de Naiara.
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Advogado Janor Ferreira (à esquerda) e suspeito Marco Antônio — Foto: Ivanete Damasceno/G1
26/09/2013: O agente penitenciário Richardson Bruno Mamede das Chagas é preso, após a Polícia Civil identificar uma digital que aparece nas imagens do crime. Além de agente, o acusado também prestava serviços como segurança particular fora do horário de trabalho. Ele é levado ao Centro de Correição da Polícia Militar (PM).
11/12/2013: Francisco da Silva Plácido é preso suspeito de participação na morte de Naiara. Ele também é agente penitenciário e amigo de Richardson, que o apontou durante as investigações.
A Polícia Civil confirma que os dois eram colegas e que Richardson trabalhava na empresa de segurança em que Francisco era sócio-proprietário. Investigações apontam um possível envolvimento de Wagner Strogulski de Souza, amigo de Naiara. A Polícia Civil continua acreditando que há mais pessoas envolvidas no crime.
24/01/2014: Morte de Naiara Karine completa um ano. A polícia ainda não descobriu a motivação do crime. Três suspeitos estão presos e Wagner segue foragido, mesmo tendo prisão preventiva decretada pela Justiça.
Um inquérito é aberto para investigar o envolvimento de uma quinta pessoa ainda não identificada. Família da vítima vende todo o seu patrimônio e deixa o estado de Rondônia rumo ao Rio Grande do Sul, alegando sofrer ameaças.
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Mãe da vítima, emocionada, fala pouco ao chegar ao júri: “só quero justiça”. — Foto: Assem Neto/G1 RO
27/03/2014: Marco Antônio é levado a júri popular. Uma multidão se reúne para assistir ao julgamento. 20 policiais são requisitados para fazerem a ronda do lado externo do tribunal. Pais de Naiara, longe de Rondônia há seis meses, retornam para assistir ao julgamento na primeira fila.
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Multidão aguardava do lado de fora, mas apenas 45 assentos podem ser ocupados — Foto: Assem Neto/G1 RO
28/03/2014: Após 15 horas de julgamento, Marco é condenado, por unanimidade, a 24 anos de prisão pelo estupro e morte de Naiara. Ele assumiu a autoria do estupro, mas negou que tivesse matado a vítima. No entanto, os sete jurados entenderam que ele teve participação direta na execução da estudante.
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Vigilante chega calado para julgamento. Se condenado por todas as acusações, pode pegar 30 anos de prisão em regime fechado — Foto: Assem Neto/G1 RO
30/07/2014: Wagner Strogulski, amigo de Naiara, se apresenta à Justiça. Na audiência de instrução, o mandato de prisão preventiva é revogado, por meio de um habeas corpus.
A defesa do suspeito alegou que um dos motivos para a prisão preventiva é de que a família de Naiara teria medo de Wagner. O argumento da defesa foi apoiado pelo Ministério Público, que não viu razão para a custódia preventiva do suspeito. A juíza Euma Tourinho concede liberdade a Wagner.
04/02/2016: Estudantes de jornalismo e amigos de Naiara homenageiam a vítima durante coleção de grau, em Porto Velho. Naiara teria se formado no mesmo mês, caso estivesse viva. O nome da estudante foi escolhido para representar a turma.
31/03/2016: O primeiro dia do julgamento de Richardson, Francisco e Wagner dura 12 horas. Seis testemunhas são ouvidas, entre elas os peritos criminais federais, o delegado responsável pelo inquérito e o médico legista, que apontou a impossibilidade de defesa por Naiara. Um dos peritos indicou que as digitais de Richardson estavam no celular da vítima, usado na gravação do vídeo de estupro.
Segundo a denúncia, Francisco teria chamado Marco [já condenado], seu ex-funcionário, para dar ‘um susto’ em Naiara pela quantia de R$ 1,4 mil. A empresa de Francisco atuava no bairro onde Naiara morava.
O delegado do caso explica que as investigações não conseguiram provar a motivação do crime ou quem teria pagado pela execução. Segundo o delegado, o condenado Marco deu a certeza de envolvimento de Francisco e Richardson e apontou Wagner como o “meio playboy” que estava no dia do crime.
O delegado afirma que durante o vídeo ouve-se uma chamada telefônica, onde um dos integrantes diz se tratar de um Bruno. Naiara pergunta se está lá por “por causa do Bruno”.
As defesas dos réus alegam que Marcos é o único assassino. O advogado de Richardson afirma que no dia do crime seu cliente estava de plantão no presídio Vale do Guaporé, em Porto Velho. Já a defesa de Francisco afirma que o réu estava 12 quilômetros distante da cena do crime.
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Julgamento Naiara Karine 2016, em Porto Velho, RO — Foto: TJ-RO/Divulgação
01/04/2016: Tem início o segundo dia de julgamento. O delegado do caso, Nestor Romanzini, considera a investigação como “uma das mais difíceis de elucidar”. Segundo ele, Marco teria chegado a apontar a existência de um suposto mandante durante o processo.
Durante o julgamento, o delegado afirmou que há um terceiro inquérito para apurar a possibilidade de existência de um mandante. As investigações não conseguiram apontar a identidade do suposto Bruno, citado no vídeo.
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Depoimento prestado em 2014 pelo delegado Nestor Romanzini foi exibido para os presentes. — Foto: TJ-RO/Divulgação
02/04/2016: Inicia-se o terceiro dia de julgamento dos réus. Acusados alegam inocência. O primeiro a depor é Richardson Mamede que mantém a versão de que estava de plantão no dia do crime, mas não soube responder se teria saído no mesmo dia. O réu alegou não conhecer o vigilante Marco,
O acusado Francisco Plácido é o segundo a depor. Ele afirmou que Richardson não era funcionário de sua empresa, mas um prestador de serviço. Sobre o condenado Marco Antônio, afirmou conhecer o acusado, mas que este não prestava serviço a ele e não possuíam intimidade.
O último réu a ser ouvido foi Wagner Strogulski que falou sobre o vínculo de amizade que tinha com Naiara e disse não conhecer nenhum dos três acusados. Ele afirmou que na data do crime estava em casa participando de um almoço de família, chegando a falar com a vítima por mensagens de celular horas antes do crime.
Wagner disse, ainda, que só voltou a tentar contato com a amiga às 15h, quando recebeu a ligação de um amigo que comunicou o sumiço da estudante. A defesa sustentou que não há provas suficientes para comprovar que Strogulski tenha participado do crime.
O vigilante Marco Antônio é ouvido no tribunal no momento mais discutido entre acusação e defesa. O promotor do Ministério Público de Rondônia (MP-RO), Elias Chaquian Filho, inicia o debate mostrando aos jurados as provas contidas no inquérito, como fotos, vídeos e a sessão de reconhecimento dos acusados pelo acusado Marco.
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Julgamento Naiara Karine 2016, em Porto Velho, RO, terceiro dia, promotor Elias Chakian Filho — Foto: TJ-RO/Divulgação
Os assistentes de acusação alertam os jurados sobre o comportamento dos acusados durante os interrogatórios. Segundo os assistentes, os réus estariam representando técnicas descritas em livros de júri popular. Eles também alertaram os jurados para o fato de que Marco não teria motivo para prejudicar os demais acusados, porque já havia admitido a culpa.
Em contrapartida, a defesa dos três acusados exploraram ao máximo as contradições do depoimento de Marco Antônio, além do histórico de drogas e violência do acusado.
Em seguida, a defesa de Wagner Strogulski relembrou que o “playboy”, citado por Marco Antônio, não tem nenhuma das características do réu e criticou as perguntas “homofóbicas” feitas por um dos assistentes de acusação. O MPRO também pede a absolvição de Wagner por entender que as provas contra ele “são frágeis”.
Já a defesa de Francisco Plácido também questionou o depoimento de Marco. Segundo o advogado, o vigilante confesso buscava a delação premiada, com o objetivo de obter benefícios ao colaborar com as investigações. A defesa ainda citou o histórico de violência doméstica e sexual de Marco Antônio, além do uso de drogas ilícitas como crack e cocaína.
Os debates seguem com réplica e tréplica. Ao final do julgamento, os jurados, cinco homens e duas mulheres, vão para uma a sala secreta e votam os quesitos do julgamento.
03/04/2016: Após mais de 40 horas de julgamento, o resultado vem na madrugada do dia 03 de abril. Os agentes penitenciários Francisco Plácido e Richardson Mamede são condenados pelo crime de homicídio, mas inocentados do crime de estupro. Wagner Strogulski é absolvido das acusações por unanimidade.
Francisco foi condenado a 9 anos de prisão, em regime semi-aberto. Já Richardson Mamede é condenado a 14 anos, inicialmente em regime fechado. Os réus primários perdem, ainda, o cargo público de agente penitenciário.
O promotor do MP-RO, Elias Chaquian Filho, afirma a insatisfação com o resultado, e que outras investigações serão feitas.
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Julgamento Naiara Karine 2016, em Porto Velho, RO, terceiro dia — Foto: TJ-RO/Divulgação
15/04/2019: Richardson e Francisco vão novamente a juri popular. O novo julgamento acontece após o MP-RO recorrer da decisão que absolveu os réus do crime de estupro. O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) acatou o recurso e anulou a decisão do Conselho de Sentença de abril de 2016 No entendimento dos órgãos de Justiça, “a decisão dos jurados contrariou a prova dos autos”.