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Jaru, 4 de maio de 2024

Deputados recuam depois de tentativa de anistia ao caixa 2

O Brasil começou o dia sob o impacto de uma surpresa: a de que os deputados pretendiam aprovar uma anistia para quem recorreu ao chamado caixa dois em eleições, dinheiro não contabilizado oficialmente. E eles queriam botar essa anistia exatamente no pacote de medidas de combate à corrupção. Mas, diante da reação da sociedade, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM, achou melhor recuar e deixar a votação para semana que vem.

Foi o reflexo de muitos dias de tensão e de uma noite agitada. Na madrugada desta quinta-feira (24), os deputados da comissão especial aprovaram por unanimidade o relatório do deputado Onyx Lorenzoni, do Democratas.

Das medidas propostas pelo Ministério Público, ficaram de fora o teste de integridade para servidores públicos; alterações no sistema de recursos para agilizar o processo penal; o uso de provas obtidas de maneira irregular sem violação de direitos fundamentais; prisão preventiva para recuperação de dinheiro desviado; e mudanças na concessão de recursos como habeas corpus para acelerar os processos.

Entre outras medidas, os deputados aprovaram crime de caixa dois, com prisão de dois a cinco anos e multa; crime de enriquecimento ilícito de funcionários públicos; medidas para evitar a prescrição de penas; e instrumentos para recuperar dinheiro desviado.

O relator sugeriu e conseguiu aprovar a figura do reportante do bem, que pode receber recompensa por denunciar um crime, e o acordo penal, que permite reduzir pena diante de confissão de crimes menos graves.

De manhã, o clima continuou quente. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM, se trancou no gabinete com líderes de vários partidos. A esta altura, ninguém sabia quais modificações seriam feitas no projeto anticorrupção e quem as apresentaria. Logo começou a circular entre os deputados o texto de uma emenda que explicitaria uma anistia a todos os crimes ligados a uso de caixa 2 no passado, como corrupção e lavagem, de dinheiro.

Os deputados estavam decididos a votar o pacote e até aprovaram a urgência para o assunto. O PSOL queria que a votação fosse aberta, identificando cada deputado, mas grandes partidos, como PMDB, PT e PSDB, orientaram suas bancadas contra e a iniciativa foi derrubada.

Na sociedade começaram as reações. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, falou num debate na sede da Procuradoria.

“Eu confio, eu tenho a certeza que o parlamento brasileiro saberá ser sensível não só aos 2,5 milhões brasileiros que assinaram a iniciativa popular das dez medidas, como de outros milhares de brasileiros que apoiam essas dez medidas. Portanto, tenho a convicção e a certeza de que o parlamento aprovará o contexto, a espinha dorsal dessas dez medidas sem alterações de monta que possam desfazê-las”, disse Janot.

Carlos Fernando, um dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato, manifestou preocupação com a possibilidade de anistia.

“Pretendem com isso anistiar a corrupção, e anistiando a corrupção estão anistiando os crimes de lavagem de dinheiro dela decorrentes. Isto acaba com a necessidade da Operação Lava Jato, porque eu não posso investigar fatos que não são crimes, e a partir do dia que essa lei for sancionada, se é que um dia será sancionada, esses fatos investigados pela Lava Jato não serão mais crimes e nós não teremos necessidade de qualquer investigação. Se aprovada, todo o trabalho, desde o mensalão, mas de outros casos também, irá para o lixo”, afirmou.

O juiz Sérgio Moro disse em nota que toda anistia é questionável. “pois estimula o desprezo à lei e gera desconfiança”. E diz: “anistiar condutas de corrupção e de lavagem de dinheiro impactaria não só as investigações e processos já julgados na Lava Jato, mas a integridade e a credibilidade do estado de direito e da democracia brasileira com consequências imprevisíveis para o futuro do pais.”

A ONG Transparência Internacional também condenou a tentativa de anistia.

A reação chegou às redes sociais, onde o não à anistia ao caixa 2 foi o assunto mais comentado do dia pelos internautas. No Congresso, o relator das medidas foi vaiado por colegas.

O vice-líder do PMDB, Carlos Marun, ponderou que nunca existiu e nem é necessário projeto para anistiar políticos.

“Eu não acredito que algum promotor público não saiba que lei penal não retroage, qualquer estagiário de primeiro ano de direito sabe que o crime tipificado só é crime após estar efetivamente estabelecido como tal no nosso direito penal”, disse.

No começo da tarde, pressionado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, decidiu que a votação estava adiada e fez uma defesa do parlamento. Maia disse que a pressão da sociedade é legítima, mas que o plenário é soberano para decidir.

“O relatório deve ter muita coisa boa, eu ainda não parei para analisá-lo, e certamente tem algumas coisas que precisam ser modificadas. Essa vai ser a nossa responsabilidade, independente de qualquer tipo de pressão, que são legítimas. A pressão da sociedade é toda legítima, contanto que um poder não queira subjugar outro poder. Na terça-feira nós vamos continuar de forma democrática esse debate, respeitando a opinião da sociedade, e qualquer poder respeitando a soberania popular que é representada no mandato de cada deputado federal”, afirmou.

O líder da Rede anunciou que deputados contra a anistia vão tentar aprovar novamente a votação aberta na próxima terça-feira (29). O relator das medidas anticorrupção na comissão especial denunciou a manobra.

“Estava tudo armado para ser tudo destruído. Houve uma articulação de muitas pessoas do bem que impediram que isso acontecesse, e eu aplaudo o presidente Rodrigo Maia, que teve a sensibilidade de entender que não era o momento de colocar este projeto para ser discutido e destruído no plenário da Câmara”, afirmou Onyx Lorenzoni.


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