Um consórcio entre três hospitais paulistas – Hospital Albert Einstein, Hospital Sírio-Libanês e Hospital das Clínicas – recebeu a autorização de iniciar testes clínicos de um possível tratamento contra a Covid-19 (doença causada pelo novo coronavírus). A técnica, aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), baseia-se no plasma de um paciente curado.
Como funciona?
O plasma é a parte líquida do sangue, na qual estariam os anticorpos produzidos pelo organismo para combater o vírus. Essa substância, retirada de pacientes recuperados, pode ser aplicada em alguém que tenha um quadro grave da Covid-19.
Os médicos esperam que, ao receber o plasma com os anticorpos, o doente tenha uma recuperação mais rápida. O risco de mortalidade diminuiria e o tempo de internação seria reduzido, disponibilizando leitos para outros infectados.
“Precisamos descobrir se a técnica realmente funciona para o novo coronavírus. Se, por acaso, o paciente fizer o tratamento e ficar dois dias na UTI, e não uma semana, já teremos um ganho enorme”, afirma Silvano Wendel, diretor do banco de sangue do Sírio-Libanês (SP). “Queremos diminuir a gravidade da patologia e o tempo de permanência nos hospitais.”
Wendel explica que ainda há detalhes do procedimento que precisam ser acertados, como a quantidade de plasma aplicada no paciente e o número de doses necessárias para que o sistema imunológico reaja.
Sangue de pacientes curados da Covid-19 pode ajudar no tratamento de casos graves
Quem poderá doar?
É possível que algumas exigências variem de acordo com a instituição de saúde. No Einstein, no Sírio e no Hospital das Clínicas, o voluntário que doará o plasma precisa ter o seguinte perfil:
- Ser homem (entenda mais abaixo).
- Ter de 18 a 60 anos.
- Pesar mais de 55 kg.
- Ter feito o teste PCR, com resultado positivo para o novo coronavírus – não basta afirmar que manifestou os sintomas típicos da Covid-19.
- Ter apresentado um quadro moderado da doença. Pacientes que ficaram entubados ou internados por muitos dias na UTI podem não ter se recuperado completamente.
- Nunca ter tido hepatite B e C, doença de Chagas, Aids e sífilis.
Segundo Wendel, há um fenômeno raro em mulheres que já engravidaram (mesmo que tenham sofrido um aborto): a produção de anticorpos contra leucócitos. “Em uma parcela muito pequena de indivíduos, esses anticorpos podem causar reações pulmonares em quem receber o plasma”, afirma. Como a Covid-19 já é uma doença respiratória, o quadro poderia se agravar.
Mas por que deixar de lado as mulheres que nunca engravidaram? De acordo com o especialista, mais exames seriam exigidos para comprovar que, de fato, a gestação não ocorreu – o que levaria tempo. “Não podemos correr o risco, por menor que ele seja. Preferimos ser mais criteriosos”, diz Wendel.
Como participar?
Voluntários que possuam as características acima devem ligar para o banco de sangue do hospital e manifestar interesse em participar dos testes. No Sírio-Libanês, os números são: (11) 3394-5260 ou e (11) 3394-5261.
Eles receberão uma ligação de um médico, que fará uma entrevista inicial. Caso sejam aprovados, farão um primeiro exame de sangue. “Vamos analisar em laboratório, pela amostra, se há os chamados anticorpos neutralizantes, que combateriam o vírus”, explica Wendel.
Ainda não há, segundo o especialista, como fazer testes em larga escala. Ele espera que, em duas semanas, já tenha selecionado voluntários para começar a aplicar o plasma em pacientes. Mas reforça: é apenas uma previsão, que pode ser revista.
Com parcimônia
Embora a técnica com plasma já tenha dado certo com outras doenças, como a H1N1, é preciso ter cautela. Não há, por ora, como saber se será aplicável na Covid-19.
“Vamos tomar uma série de cuidados. Queremos, por exemplo, injetar no plasma uma substância que inativaria qualquer bactéria ou vírus existentes no sangue do doador. Ou seja: trataríamos o plasma antes de aplicá-lo”, menciona o diretor do banco de sangue do Sírio.
“Não estamos dizendo que vai dar certo. É uma técnica altamente experimental, mas que merece ser avaliada. Algo precisa ser feito para combater a pandemia”, completa.
Doação de sangue não era proibida?
Uma norma técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde havia determinado que pessoas com diagnóstico do novo coronavírus não poderiam doar sangue durante 30 dias, contados a partir do desaparecimento de sintomas.
A regra, no entanto, não se aplica aos testes de plasma. Wendel explica que, nas doações de sangue comuns, não se sabe para quem o material doado será destinado. “Não é o caso do nosso procedimento, que recebeu autorização especial de uma agência regulatória”, diz. “Especificamos exatamente o que será feito com o plasma e para quem ele será direcionado.”
Em nota, a Anvisa informou que não precisa aprovar os estudos clínicos com o plasma convalescente.
“O produto, aliás, não é passível de registro na agência, devendo seguir as regras do sistema dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs)/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e do Conselho Federal de Medicina (CFM)”.
A agência regulatória orienta que o plasma convalescente seja utilizado em protocolos de pesquisa clínica com os devidos cuidados e controles necessários, “sem prejuízo do disposto em legislação específica sobre a autoridade e a conduta médica do profissional prescritor”.
Ainda segundo a Anvisa, os critérios de triagem de doação de sangue já emitidos não são impeditivos para a coleta do plasma convalescente.