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Jaru, 23 de novembro de 2024

Morte da professora Joselita Félix completa 1 ano e mãe ainda não sabe que filha foi assassinada em RO

“Me acorde às 6h30”. O recado deixado na porta da geladeira era para Francisco Félix, de 76 anos, acordar a filha, Joselita, bem cedo. O objetivo dela era ir ao culto dominical na igreja. Mas instantes antes do horário combinado para ser acordada, Joselita foi brutalmente assassinada e o pai dela ficou caído na frente de casa, em meio a uma enorme poça de sangue.

Era manhã de 17 de março de 2019, um domingo, quando pai e filha foram brutalmente atacados por Ueliton Aparecido da Silva, de 35 anos, dentro da própria casa em Candeias do Jamari, região metropolitana de Porto Velho. O suspeito era o ex-companheiro de Joselita.

Ueliton apareceu na residência dos Félix com um pedaço de madeira. Atacou primeiro seu Francisco ainda na porta da casa e, com uma faca de cozinha, desferiu golpes no idoso. Depois foi atrás de Joselita, e a golpeou a pauladas inúmeras vezes. Como a maioria das pauladas atingiram a professora na cabeça, ela não resistiu e morreu.

assassinato da professora Joselita Félix, então de 47 anos, completa um ano nesta terça-feira (17). O crime que é fruto da não aceitação pelo fim de um relacionamento repercutiu entre internautas, gerou enorme revolva e levou mulheres às ruas de Porto Velho em protesto contra o feminicídio.

Irmão fez homenagem à irmã, que está enterrada em um cemitério de Porto Velho. — Foto: Mayara Subtil/G1

Irmão fez homenagem à irmã, que está enterrada em um cemitério de Porto Velho. — Foto: Mayara Subtil/G1

Ueliton, na época o principal suspeito do crime, foi preso preventivamente. Um dia antes de matar a ex-companheira, a agrediu na rua com socos e só não a matou naquele momento porque havia uma viatura da Polícia Militar (PM) pelo local.

“Ele [Ueliton] ia matar a Joselita um dia antes de tudo. Mas não conseguiu. Ele terminou o que queria naquele domingo”, diz Josué Felix, único irmão da professora.

O corpo de Joselita foi velado e sepultado sob forte comoção. Francisco Félix foi levado ao pronto socorro João Paulo II, onde permaneceu internado em estado grave. Ele só soube da morte da filha cerca de dois meses depois, quando recebeu alta médica.

Ueliton Aparecido foi condenado por matar Joselita a pauladas. — Foto: DivulgaçãoUeliton Aparecido foi condenado por matar Joselita a pauladas. — Foto: Divulgação

Ueliton Aparecido foi condenado por matar Joselita a pauladas. — Foto: Divulgação

Sobreviventes

Um ano depois, a família de Joselita tenta retomar a vida aos poucos. Mas as lembranças continuam fortes, e o sentimento de saudade ainda paira na vida daqueles que a professora deixou.

Seu Francisco vendeu a casa onde ocorreu o crime brutal e se mudou do estado. Hoje, é cuidado por uma parente.

Ainda morando em Porto Velho, o irmão da educadora vive com a mãe, dona Joseni Salviano, de 78 anos, que sofre de Alzheimer. Um ano depois, ela ainda não sabe da morte da filha.

“É por recomendação médica. Se minha mãe souber pode entrar em uma tristeza profunda e morrer. Mas pergunta dela [Joselita] direto. Infelizmente, tenho que estar mentindo que está no trabalho. Ela [mãe] sabe que a Joselita morava com meu pai, mas às vezes ia lá em casa. Porém, já faz muito tempo. Um ano já. A Joselita não ia sempre lá em casa, mas nos acompanhava sim. Levava minha mãe ao salão de beleza para fazer o cabelo e pintar as unhas”, recorda.

Pai de Joselita, Francisco Félix, diz que sente muita saudade da filha, que foi morta a pauladas em Rondônia. — Foto: Arquivo pessoal

Pai de Joselita, Francisco Félix, diz que sente muita saudade da filha, que foi morta a pauladas em Rondônia. — Foto: Arquivo pessoal

Ciente de que a condição da mãe causa esquecimento, Josué mostra de tempos em tempos fotos de Joselita à idosa, que a reconhece instantaneamente e sempre abre um sorriso ao ver a sua “Litinha”.

“A Joselita passava o fim de ano conosco. Quando não conseguia ir lá em casa, fazia chamada de vídeo. Ajudava na compra dos remédios. Nós nos dividimos assim: ela ficou cuidando do meu pai, por isso que ela morava lá [em Candeias] e eu fiquei com a minha mãe. O acordo foi esse”, explicou Josué.

Por conta das facadas que levou ao tentar defender a filha, Francisco Félix se locomove em uma cadeira de rodas.

“É muita saudade, muita saudade. Minha Joselita. É saudade demais”, afirma, aos prantos, Francisco Félix.

Mãe de Joselita, Joseni Salviano, de 78 anos, não sabe da morte da filha até hoje. — Foto: Arquivo pessoal

Mãe de Joselita, Joseni Salviano, de 78 anos, não sabe da morte da filha até hoje. — Foto: Arquivo pessoal

Com o pai em outro estado e a mãe precisando de assistência desde o início, Josué não conseguiu viver o luto, pois precisa estar forte para auxiliar no que pode. A sensação para Josué é de que a irmã morre o tempo inteiro, já que cada vez que lembra ou conta para alguém do crime, a frustração volta.

“É como se a Joselita tivesse morrido várias vezes. Ela morreu quando fui reconhecer o corpo no IML, morreu quando foi enterrada, depois quando o pai soube do caso ou quando algum amigo pergunta. Para mim, a Joselita está sempre morrendo”, disse Josué.

Agora, Josué e Joseni aguardam a liberação do inventário, que ainda requer autorização da Justiça. Assim como Francisco, o irmão da professora deseja sair de Rondônia e seguir para um lugar mais tranquilo por causa da mãe. “Minha missão agora é cuidar dela, ir para um lugar de interior”, disse.

Casa onde Joselita foi morta em Candeias do Jamari — Foto: Rede Amazônica/Reprodução

Casa onde Joselita foi morta em Candeias do Jamari — Foto: Rede Amazônica/Reprodução

Relação pouco conhecida

A família de Joselita nunca soube como ela e Ueliton se conheceram. A educadora quase não revelava nada sobre seu relacionamento com ele aos parentes. Apesar disso, Ueliton nunca demonstrou qualquer tipo de ato suspeito na frente deles. Era educado, andava bem vestido e falava bem, segundo Josué.

A relação dos dois durou cerca de três anos. Josué, inclusive, foi ao casamento civil e religioso do então casal. Mas afirma que não gostou de Ueliton desde o início. “Tinha um papo muito ‘perfeitinho’. Andava de terno, como um pastor evangélico, era bastante apresentável. Mas tinha algo nele que não batia”, contou.

A desconfiança sobre Ueliton começou após Josué perceber que a irmã não ia na casa dele sem a companhia do marido. Mas a dúvida sobre a conduta do homem aumentou após Joselita enviar fotos dela para o irmão toda machucada, via WhatsApp. As imagens eram da agressão sofrida pela professora horas antes de ser morta.

Joselita e Ueliton estavam juntos há três anos. — Foto: Facebook/Reprodução

Joselita e Ueliton estavam juntos há três anos. — Foto: Facebook/Reprodução

Joselita encaminhou áudios para uma amiga relatando a situação que vivia com o ex-companheiro. Em um trecho, a professora menciona que queria entrar com uma medida protetiva contra ele, pois, segundo ela, caso o suspeito tentasse chegar perto dela, seria preso sem o direito de pagamento de fiança.

“To muito, muito machucada, muito machucada. Eu tenho um pouco de vergonha de falar isso, entendeu? Que nunca apanhei de ninguém. Foi para a delegacia, foi a coisa mais horrível que eu passei na minha vida”, disse Joselita, que pretendia mudar a rotina por causa de Ueliton.

Últimos dias

Josué revelou que os últimos dias de Joselita foram exaustivos. A professora estava em um cansaço extremo por causa dos quatro trabalhos que precisava dar conta. Ela era educadora da rede municipal, estadual, ministrava aulas em faculdades particulares e ainda supervisionava o Colégio Santa Marcelina.

Joselita Félix era graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia desde 1992 e também tinha bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e Letras de Rondônia (2007).

Joselita Félix foi morta a pauladas pelo ex-companheiro em 17 de março de 2019. — Foto: Arquivo pessoal

Joselita Félix foi morta a pauladas pelo ex-companheiro em 17 de março de 2019. — Foto: Arquivo pessoal

O irmão da professora relembrou um episódio que provou a exaustão de Joselita. Segundo ele, um dia, a educadora chegou em sua casa e pediu para ligar a TV e colocar em um canal específico. Porém, em poucos minutos, ela dormiu no sofá.

Percebendo que precisava de repouso, Joselita pediu que o irmão a acordasse às 14h. Ele, então, tentou acordá-la no horário que pediu, mas permaneceu dormindo até às 6h do outro dia.

“Ela acordou brava, pois era muito nervosa. Ficou brava comigo perguntando porque que eu não tinha a acordado. Falei ‘Deus me livre! Só se eu contratasse uma escola de samba para te acordar’. Ela estava até tomando remédio para dormir, pois estava muito cansada. Então, no dia que ela foi atacada não teve como reagir, pois estava com sono”, recordou.

Por causa da personalidade forte de Joselita, Josué acredita que, se a irmã não estivesse tão cansada naquele 17 de março, conseguiria reagir ao ataque. “Ela não teve mais força. Se ela tivesse descansado, reagiria. Mas ela sempre queria ficar para o lado do pai, pois não queria deixá-lo só. Eles foram surpreendidos”, explicou.

Apesar do alívio de saber que o acusado pela morte da professora está preso, Josué reforçou que a pena ainda é branda. “Acredito que ele não fique muito tempo. Dá um certo conforto, mas ainda é pouco”, concluiu.

Condenação de Ueliton

Ueliton foi indiciado, julgado e condenado a 35 anos de reclusão pelo feminicídio de Joselita e tentativa de homicídio contra o pai da educadora. Porém, após entrar com recurso, Ueliton teve a pena reduzida para 34 anos e 10 meses de reclusão. Ele continua cumprindo a pena em uma penitenciária de Porto Velho.

O julgamento do caso Joselita Félix está entre os 48 que foram a júri no ano passado em Rondônia. Até o fim de 2019, o Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) contabilizou 70 processos por feminicídio em tramitação, 41 arquivamentos e 44 novos casos que entraram na Justiça.

Lei do Feminicídio

A Lei nº 13.104, conhecida como a Lei do Feminicídio, foi sancionada em março de 2015 pela então presidente Dilma Rousseff. Ela incluiu o crime no Código Penal Brasileiro como uma modalidade de homicídio qualificado, entrando, assim, na lista de crimes hediondos.

A justificativa para a necessidade de uma lei específica aos crimes relacionados ao gênero feminino está no fato de grande parte dos assassinatos de mulheres nos últimos anos serem cometidos dentro da própria casa das vítimas, muitas vezes por companheiros ou ex-companheiros.


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