O episódio aconteceu em 2016 e gerou uma condenação por dano moral à Unir. No entanto, o professor voltou a comentar o caso em sala, neste ano, para criticar o que chama de “ideologia de gênero” e o aborto.
“Teve uma pesquisadora que veio aqui falar de ideologia de gênero, de aborto de não sei quê, eu chamei ela de vagabunda, fiz um processo, mas quem foi condenado foi a Unir. Essa sapatona (risos). Eu liberei meus alunos pra assistir uma palestra e aí a palestra era sobre isso”, disse o professor (trecho extraído do TAC).
O MPF entendeu que o comportamento do professor não apresenta qualquer aprendizado pelos fatos passados e que o discurso não foi feito para “reconhecer um erro”, mas sim para reforçar um “discurso homofóbico e misógino”.
Entenda o caso cronologicamente
Em 2016, Milet foi gravado em sala por uma aluna, com consentimento, tecendo duras críticas e ofensas à uma pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) que fez uma palestra durante a Semana de Direito da Unir, em Porto Velho. O tema da palestra era: “’Por que é preciso falar de gênero no Direito?”.
Entre as ofensas, Milet chamou a palestrante de “vagabunda”, “sapatona doida” e “bostinha” por não concordar com os assuntos que ela tratou durante a palestra, como gênero e aborto. Depois que o áudio foi divulgado, o caso ganhou repercussão nacional.
Três anos depois, em 2019, a Unir foi condenada a pagar uma indenização de R$ 18 mil à palestrante por danos morais. No entender da Justiça Federal, por estar em sala de aula e desempenhando uma função de servidor, a responsabilidade da ação é da União e, por esse motivo, apenas a Unir foi condenada no processo.
Mesmo depois da condenação, Milet continuou atuando como professor da Unir no curso de Direito. Segundo a Universidade, na Justiça corre uma ação regressiva da instituição contra o professor, cobrando responsabilidade pela sua ação.
Neste ano, o caso voltou à tona depois que uma aluna denunciou o professor Milet por assédio moral. Josi Gonçalves estava em sala, quando, para criticar o que chama de “ideologia de gênero”, o professor relembrou o episódio em que a Unir foi condenada porque o próprio professor chamou uma palestrante da Universidade de Brasília (UnB) de ‘sapatona doida’ e ‘vagabunda’.
“Ele tornou a repetir, sem nenhum contexto com o tema que ele ministrava em sala de aula. Riu quando se referiu ao termo ‘sapatona’ e disse também [de forma debochada] que só a Unir que tinha sido condenada”, contou Josi em entrevista exclusiva ao g1 e Rede Amazônica.
Em um grupo do WhatsApp da turma, a aluna se pronunciou sobre o caso, alegando que se sentiu muito ferida e disse que o posicionamento do professor foi misógino e sexista.
A conversa vazou e o professor teve acesso às mensagens. Depois disso ele entrou em contato com Josi demonstrando estar ofendido e informando que entraria com uma queixa-crime contra a aluna por injúria e difamação e fazendo outras ameaças a ela e aos seus colegas de turma.
Josi entrou com uma representação no Ministério Público Federal (MPF) e uma ação indenizatória na 4ª Vara Cível da Justiça Federal contra o professor Samuel Milet e a Unir. Os processos estão em andamento.
Já Milet entrou com uma ação no 1º Juizado Especial Cível do Tribunal de Justiça de Rondônia pedindo R$ 20 mil em danos morais. Ele argumenta que estava defendendo a vida e a família e que teve a honra e imagem feridas pelos comentários da aluna. O pedido foi negado.
O juiz de direito Wanderley José Cardoso entendeu que os comentários feitos pela aluna não são injuriosos, enquanto o posicionamento do professor em sala “está permeado de conteúdo ofensivo, destoando de comportamento esperado de um docente”.
Acordo
Na segunda-feira (18), o reitor em exercício na Unir, Juliano Cedaro, esteve presente no Ministério Público Federal de Rondônia para assinar o Termo de Ajustamento de Conduta. A ideia de gravar o vídeo e publicar em plataformas oficiais foi da própria Unir.
Inicialmente as palavras de retratação deveriam ser ditas diretamente à pesquisadora, convidada a ministrar a aula magna no início do semestre letivo ocorrido em novembro. Devido a outros compromissos, a pesquisadora não pode comparecer.
O texto de retratação deve ser gravado pelo reitor e publicado no portal e nas redes sociais da Universidade e nos canais de mídia local em um prazo de 15 dias.
O acordo também estabelece que a Unir crie cartilhas com protocolos de acolhimento para vítimas de violência e um comitê para investigar esse tipo de caso, além da adoção de um cronograma de eventos de conscientização contra violência e assédio. Ao g1, a Universidade informou que essas ações já foram instituídas. Quanto ao vídeo, ainda não há uma data de divulgação estabelecida, mas a mesma deve ocorrer nas próximas semanas.
O g1 também questionou a Universidade sobre os processos internos de investigação das condutas do professor Samuel Milet. A Unir reforça que os casos não podem ser comentados, pois são sigilosos, mas que as denúncias são tratadas internamente, com seriedade, por se tratar de ataques contra pessoas, comportamento com o qual a instituição não compactua.
O g1 entrou em contato com o professor Samuel Milet, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.