Iphisa Surui: é o nome de uma das cinco espécies de lagartos amazônicos descobertas por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Quem inspirou o nome foi Ivandeide Bandeira – ou Neidinha Suruí como é mais conhecida – indigenista de Rondônia que luta há mais de 50 anos pela proteção da Amazônia, dos povos indígenas e dos direitos humanos.
Além dela, outros protetores da floresta e de indígenas foram homenageados com a descoberta. Entre eles o indigenista Bruno Pereira, assassinado em 2022 com o jornalista inglês Dom Phillips, durante uma viagem no Vale do Javari, no Amazonas.
Os lagartos são do gênero Iphisa e exclusivos da região amazônica. Os animais são pequenos: na idade adulta chegam a medir cerca de quatro centímetros de comprimento, além da cauda.
O iphisa surui, batizado em homenagem a Neidinha, habita mais ao sul da Amazônia, no Mato Grosso e em Rondônia. Sua coloração é em um tom de dourado/castanho e em algumas partes do corpo aparenta apresentar o fenômeno de iridescência: ganha as cores do arco-íris ao ser exposta a luz do sol.
Lagarto Iphisa surui — Foto: Ricardo Kawashita-Ribeiro/Divulgação
Confira, abaixo, as cinco novas espécies:
- Iphisa brunopereira: homenageia o indigenista morto em 2022 no Vale do Javari;
- Iphisa dorothy: homenageia a missionária estadunidense Dorothy Stang, morta em 2005, no Pará, por fazendeiros, numa disputa de terras destinadas aos sem-terra;
- Iphisa surui: homenageia a indigenista Neidinha Suruí e a etnia Paiter-Suruí;
- Iphisa munduruku: homenageia a líder indígena Alessandra Korap Munduruku e a etnia Munduruku;
- Iphisa pellegrino: faz um tributo à professora Katia Pellegrino, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que há décadas trabalha com a família em que está alocado o gênero Iphisa.
Marcada: na vida e na pele
Quando soube que seu nome tinha sido “emprestado” para o lagarto amazônica, Neidinha vibrou de emoção, como relatou ao g1:
“Eu fiquei tão emocionada, tão surpresa, eu sou tão agradecida a esses professores. Eu não tenho palavras pra agradecer, me senti tão honrada. Me dá vontade de chorar de tão emocionada que eu fico. Eu falo pra todo mundo: gente, agora eu sou um lagarto. Eu morro de medo de me tatuar, mas eu vou tatuar esse lagarto em mim”, contou.
Mas afinal, quem é Neidinha Suruí?
Com 63 anos, Neidinha carrega uma grande bagagem de proteção da floresta, dos povos indígenas e dos direitos humanos. Tudo começou quando ela era muito nova, com 13 anos de idade.
“Eu me criei na reserva do Uru-Eu-Wau-Wau até os 12 anos de idade. Na época não era demarcado. Meu pai queria que os filhos estudassem, então eu fui para a cidade pra estudar e aí como minha mae me ensinou a ler nos livros de cowboy e nesses livros sempre os brancos iam, matavam os indígenas e viravam heróis e quando eu vou pra cidade eu tinha dito pra mim mesmo que eu ia lutar contra esse tipo de coisa”, contou ao g1.
Ivaneide Bandeira, conhecida como Neidinha — Foto: Reprodução/O Território
O caminho que Neidinha trilhou começou na escola. Ela sempre estava engajada com atividades que envolviam as causas que queria defender e usava a arte, principalmente, para abordar o assunto.
Ainda jovem se tornou voluntária. Ia onde fosse chamada para falar sobre a proteção da floresta, denunciava desmatamentos e mortes de indígenas ou a expulsão dos territórios onde viviam.
Ela também trabalhou na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), antes dos anos 2000 e coordenou ação de monitoramento e proteção dos povos indígenas Uru-Eu-Wau-Wau.
Pouco tempo depois, em 1992, Neidinha fundou a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé com a missão de defender os direitos humanos e o meio ambiente.
“Quando a gente fundou o objetivo era proteger o povo Uru-EU-Wau-Wau, garantir os direitos indígenas e proteger a floresta, garantir que não houvesse desmatamento, que as áreas protegidas realmente tivessem protegidas e que fossem implementadas políticas públicas para garantir os direitos humanos e da natureza”, relembra.
Ameaças
Nesses mais de 50 anos, o caminho não foi fácil. O trabalho de Neidinha a expõe e ameaças, sobretudo de morte, são frequentes.
“As pessoas sempre fazem essa pergunta: ‘o que me leva, mesmo ameaçada de morte, continuar fazendo a defesa da floresta e dos direitos dos povos indígenas?’ O que me move é que eu tenho compromisso desde a infância com a floresta, com a natureza, com a garantia dos direitos humanos. Para mim é importante que os meus filhos tenham muito clara essa questão, da importância do que vem da minha vida”, aponta.
Legado
Neidinha é mãe de Txai Suruí, ativista indígena conhecida pelo mundo inteiro por seguir os passos da mãe e lutar pela proteção da Amazônia, dos povos indígena de Rondônia e de todo o Brasil.
Recentemente o nome de Txai foi incluído na lista das cem estrelas em ascensão no mundo pela revista “Time”. Em 2021, o nome “Txai” girou o mundo depois que ela se tornou a única brasileira a discursar na abertura da Conferência da Cúpula do Clima (COP26), um dos maiores eventos do mundo que trata sobre mudanças climáticas.
Como mãe, inspiração e mentora, o sentimento de Neidinha é de orgulho.
Mãe de ativista indígena, Txai Suirí, Neidinha Suirí — Foto: arquivo pessoal
“Eu tenho muito orgulho dela, muito orgulho da luta que ela está fazendo, de toda a representatividade dela. Como mãe eu sou bem babona mesmo, mas eu acho que toda mãe teria muito orgulho”, comentou.
No entanto, apesar de todo o legado, a indigenista ressalta que muito mais pode ser feito.
“Ainda não estou completamente realizada, eu acho que eu tenho muita coisa pra fazer ainda. Mas eu me sinto uma pessoa que conquistou muita coisa. Conquistou parte do meu objetivo, da minha luta”.
G1