A polícia de Rondônia registrou 9.814 ocorrências de violência doméstica entre janeiro e dezembro de 2020, segundo dados do Sisdepol, o sistema da Polícia Civil do Estado.
Conforme o levantamento, solicitado pelo G1 à Secretaria de Estado da Segurança, Defesa e Cidadania (Sesdec), o maior número de ocorrências registradas no último ano foi de ameaças: um total de 5.347.
Os crimes de violência doméstica, de acordo com a Civil, são divididos em ameaça, difamação, calúnia, injúria e lesão corporal.
No decorrer de 2020 foram registradas de 400 a 520 ocorrências de ameaça por mês, sendo que novembro teve o maior pico: 521 denúncias.
O segundo crime com maior registro no ano passado foi lesão corporal: 3.844 no total. Na média mensal, o número varia entre 280 e 380, sendo que novembro também apresentou o maior número de ocorrências de lesão corporal: 380 casos em 30 dias.
Lesão corporal está inserido no capitulo dos crimes contra a vida, no artigo 129 do Código Penal, que pune a conduta de alguém ofender a integridade física ou a saúde de outra pessoa — Foto: TV Mirante
Três crimes contra mulheres marcaram o mês de novembro de 2020, sendo o primeiro de uma mulher de 45 anos que foi atacada e voltou a ser agredida pelo companheiro em Porto Velho.
O segundo é o de uma jovem de 20 anos, que, com medo de morrer, denunciou o ex após ele fazer ameaças de morte em Itapuã do Oeste (RO), e o terceiro caso é de uma mulher de 51 anos que foi agredida com soco pelo companheiro, um homem de 21 anos, na capital.
Subnotificações
Mesmo diante do número de ocorrências registradas pelo sistema da Sesdec, o quantitativo real da violência doméstica é outro, na opinião de autoridades. Isso porque há vítimas que não fazem o registro na delegacia, tendo assim, um grande número de subnotificações de casos.
“Quanto menos acesso a vítima tem ao mundo exterior do qual ela vive, ela não sabe a quem procurar diante de uma violência sofrida”, destaca a delegada e diretora de Central de Flagrante na capital, Rosilei Lima.
Não é só uma ameaça
Em conversa com o G1, a psicóloga Thaís Tudela, responsável por atender vítimas de violência doméstica no Creas Mulher em Porto Velho, explica que a ameaça se trata de uma violência psicológica.
“A violência doméstica, onde a mulher já tem um histórico de outros tipos de violência, não só a violência psicológica, onde cabe a ameaça, tem sim a possibilidade do agressor cometer o que ele está falando. Eles podem utilizar a ameaça como mecanismo de pressão psicológica, mas também utilizar dela como algo que ele tende a fazer. Sempre que a mulher decide registrar um boletim de ocorrência quanto a ameaça e dar andamento representar o agressor e dar andamento ao processo, existe toda uma parte judicial sobre esse crime”, conta.
O Creas Mulher é uma das portas para a Casa da Mulher, local que recebe vítimas de violência com risco iminente de morte.
“Geralmente, quando existe a ameaça, a gente verifica para poder colocar a mulher em um lugar seguro para salvaguardá-la. Até porque não há garantia nenhuma de que a ameaça não vai se cumprir”, ressalta a psicóloga
No Centro de Referência Especializado da Assistência Social no Atendimento à Mulher Vítima de Violência Doméstica (Creas Mulheres) são oferecidos atendimentos e orientações às vítimas, tanto na área social, psicológica e jurídica.
- O Creas de Porto Velho fica na Rua Antônio Lourenço Pereira de Lima (Antiga Rua Venezuela), nº 2360, Bairro Embratel. No Espaço Mulher, ao lado da Maternidade Municipal Mãe Esperança, Porto Velho. Telefone: (69) 9 8473-4725. Horário de atendimento no local é das 8h às 18h de segunda-feira a sexta-feira.
Sala Humanizada
Uma Sala Humanizada foi construída no ano passado na Central de Flagrantes em Porto Velho. A delegacia é a porta de entrada para receber as ocorrências, que assim como o nome já diz, são flagranteados.
A Sala Humanizada serve para “separar” a vítima do agressor enquanto ela aguarda para prestar depoimento do crime que acabou de passar. Antes, a vítima e o agressor ficavam na mesma sala.
“A Sala serve para tirá-las desse ambiente hostil que é a delegacia. Essa sala foi construída para que essa vítima tivesse um momento de tranquilidade logo depois de sofrer o trauma. Esse é o momento em que a ocorrência chega na Central”, explica a diretora da Central, a delegada Rosilei Lima.
Os crimes de violência doméstica, destaca a diretora, são mais comuns na delegacia nas sextas-feiras, sábados e domingos.
“É o período em que o infrator está mais em casa. Ele chega do trabalho na sexta-feira, aí vai beber. Às vezes vai pro bar e, quando chega em casa, ele se vê naquela convivência forçada, aí é quando a violência começa”, diz.
No horário comercial, a Sala Humanizada conta com apoio de acadêmicos de psicologia para prestar os primeiros atendimentos às vítimas de violência doméstica.
“Às vezes elas [vítimas] querem só falar. Querem que alguém ouça o que estão passando. Outras não falam nada, outras só choram. Aqui é apenas o início de todo um processo que essa mulher terá de passar e a gente busca ouvir para, pelo menos, dar uma luz”, diz uma acadêmica.
A idealizadora da Sala Humanizada é a delegada Rosilei Lima. O local foi feito com recursos da Vara de Execuções das Penas e Medidas Alternativas (Vepema). A ONG Filhas do Boto Nunca Mais viabilizou os atendimento psicológico com uma faculdade particular da capital.
O projeto pioneiro na capital já tem reflexo no interior do estado. Em Ji-Paraná e Cacoal foram montadas Salas Humanizada nas Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deam).
Ciclo da violência
A violência doméstica funciona como um sistema circular, o chamado Ciclo da Violência Doméstica, que apresenta três fases: tensão, explosão e lua de mel. No ciclo da violência, o agressor também é um abusador emocional.
Além desse homem agredir fisicamente a companheira, ele a manipula por meio de palavras opressoras, deixando-a cada vez mais fragilizada.
Ciclo da violência contra a mulher — Foto: Fernanda Garrafiel/ Arte G1
Ajuda vem de fora
A auto-solução do crime de violência doméstica é suscetível a todos os fatores que envolvem o ciclo da violência e ela acontece a partir do momento em que essa vítima se posiciona diante da agressão sofrida.
No entanto, dependendo do trauma, é muito difícil a interrupção do ciclo ocorrer a partir da vítima. O mais comum é que a imposição de limites e a interrupção do ciclo ocorra por intervenção de terceiros.
G1/RO