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Jaru, 23 de outubro de 2024

Quem ‘morre na hora’ de um acidente sabe que morreu?

Aqui, no Mega, nós temos uma redatora que vibra quando precisa escrever sobre psicopatas, crimes e afins. É ela mesma, a Camila Galvão, que está responsável pelas loucuras sanguinárias e divertidas da Mansão dos Psicopatas, o reality show que criamos há algum tempo. Então é bem possível que ela já tenha imaginado como seria a sensação de levar um tiro no meio da testa ou, quem sabe, ser a vítima fatal de um acidente de carro – e você, já imaginou como seria viver esse tipo de pesadelo e ter sua vida encerrada de forma tão drástica?

Logicamente, não estamos querendo induzir pensamentos suicidas ou interferir em seu inconsciente, transformando a sua próxima noite de sono em um universo de pesadelos. A questão aqui, na verdade, é científica mesmo: o que sente a pessoa que morre em um acidente? Será que ela percebe que está morrendo?

A resposta para isso possivelmente vai deixar a Camila intrigada: não percebe, não sente, não sabe. Basicamente, a pessoa morre sem nem se ligar do que está acontecendo porque colisões violentas e drásticas não são processadas pelo cérebro a tempo. Além disso, temos uma questão de ordem cognitiva envolvida, e é justamente ela que afeta a nossa percepção consciente do que está acontecendo.

É uma questão de tempo

Quem explica melhor essa questão é o neurocientista e escritor David Eagleman – uma pessoa genial cuja obra você deveria conhecer, aliás. O que Eagleman nos diz é que leva um tempinho até que os sinais dos nossos movimentos cheguem à massa cinzenta do nosso cérebro. Para você ter uma ideia um pouco mais concreta da coisa, pense que esses sinais viajam cerca de um metro por segundo. Para Eagleman, isso é “insanamente lento” e suficiente para explicar a afirmação de que “estamos sempre vivendo no passado”.

Em termos comparativos, de acordo com o neurocientista, podemos dizer que nosso sistema motor autônomo reage mais rapidamente aos estímulos externos do que a nossa consciência.

Para preparar sistemas de segurança modernos, os engenheiros seguem o seguinte cronograma: depois de 1 milissegundo (ms), os sensores detectam a colisão e depois de 8,5 ms, os airbags se abrem. Na marca dos 15 ms, o carro começa a absorver o impacto da colisão e os passageiros entram em contato com os airbags aos 17 ms, sendo que a força máxima da colisão acontece aos 30 ms. Sabe quando o passageiro percebe que está em um acidente? Entre os 150 e os 300 ms depois da colisão, apenas.

Um pouquinho sobre as regiões cerebrais

A verdade é que quando o cérebro está gravemente ferido, a consciência simplesmente não funciona. As principais regiões do cérebro são o córtex frontal, responsável pela atenção e a memória de curto prazo; o tálamo, que regula a consciência e nosso estado de vigília; o giro temporal, que guia nossa percepção e compreensão; e o hipocampo, que trabalha com a memória e a percepção espacial. Danos no córtex e no tálamo, por exemplo, podem nos deixar em coma.

Em contrapartida, se a região afetada é a do cerebelo, conseguimos manter nosso estado de consciência. Isso nos mostra que nem todo dano cerebral é gravíssimo e nos deixa inconscientes, ainda que, de acordo com Eagleman, todas as regiões cerebrais estejam envolvidas com a nossa formação da consciência. Em casos de traumas muito fortes, como uma pancada violenta provocada por um acidente, o cérebro entra em pane e a vítima nem percebe o que acabou de acontecer.

E quando a pessoa leva um tiro?

No caso de um tiro na cabeça, a lógica da não percepção vale ainda mais, afinal a velocidade do projétil é rápida demais, e o estrago que ele provoca é tão repentino que a vítima simplesmente não percebe o que está acontecendo. A lógica é simples e assustadora: é só você pensar que se uma batida forte na cabeça pode provocar tanto estrago, a ruptura de tecidos cerebrais é obviamente ainda mais grave.

E aí vem a parte mais bizarra: apesar da gravidade que é levar um tiro na cabeça, um terço das vítimas sobrevive – mas 50% dos sobreviventes ficam vivos por no máximo 30 dias. Quem consegue viver mesmo depois desses 30 dias geralmente passa a vida com sequelas cognitivas graves.

Para Eagleman, algumas pessoas sobrevivem justamente porque os projéteis são relativamente pequenos e viajam rápido demais – assim, quando o tiro apenas atravessa o crânio, e não o cérebro, os danos são menores.


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