Uma pesquisa feita pela Universidade Federal de Goiás (UFG) traçou um panorama de como é a atuação das mulheres que se prostituem em Goiânia. O estudo aponta que a maioria tem até 30 anos, exige relações com preservativo, é solteira e promove o sustento financeiro da casa e da família. Algumas delas chegam a receber até R$ 30 mil mensais.
O G1 foi até a “região dos motéis”, na capital, conhecida assim pela grande concentração destes estabelecimentos e de profissionais do sexo, e repercutiu os dados com algumas delas. Muitas reafirmaram os resultados do estudo (veja perfis, com nomes fictícios, abaixo).
O trabalho foi coordenado pelo professor Marcos André de Matos e se desdobrou em sua tese de doutorado na área de enfermagem. Ao todo, foram entrevistadas 402 mulheres. Para chegar a todas elas, ele usou um método diferente, chamado Respondent-Driven Sampling (RDS), que em em português significa “amostragem dirigida pelos participantes”.
“Para obtermos o número mais abrangente possível, distribuímos questionários para sete ‘sementes’, prostitutas que tem uma grande rede de contatos com outras profissionais. Elas passavam as perguntas para outras três mulheres, estas para mais três e assim sucessivamente”, explicou ao G1.
Desta forma, Matos conseguiu coletar dados das mais diversas profissionais que atuam nas ruas, bares, boates e cinemas eróticos. Os resultados eram entregues pessoalmente e todas as participantes tinham o sangue coletado para realização de exames, além de receber preservativos.
O experimento concluiu que 70% das mulheres têm até 30 anos. Metade do total ficou apenas nove anos na escola. A maioria, 80%, afirma possuir alguma religião.
É grande também a quantidade de entrevistadas que sustentam a casa e outras pessoas – 69%. Apenas 13% disse que não utiliza preservativo em todas as relações. O número de parceiros estáveis em uma semana chega a sete.
‘Nível de vida melhor’
O estudo também mapeou onde existe a maior incidência de prostituição na cidade: as regiões central e sul. O G1 foi até a Vila Nossa Senhora de Lourdes, às margens da BR-153, na área conhecida como “região dos motéis”, para ouvir essas mulheres.
Na porta de uma boate, a reportagem encontrou Manoela, de 24 anos. Com um vestido vermelho, ela chamava a atenção pelo corpo escultural e diz que não tem problemas para conseguir clientes.
“Já cheguei a fazer 14 programas em um dia. Trabalho de segunda a sábado e ganho por dia uma média de R$ 700. Em um mês bom, já cheguei a tirar R$ 30 mil”, disse a jovem, confirmando os dados da pesquisa.
Ela está na atividade há um ano e meio. Saiu de Minaçu, no norte de Goiás, onde deixou o trabalho de garçonete e o salário mínimo que recebia. Veio em busca de um “nível de vida melhor” para ela e para o filho, de 5 anos.
“Quando trabalhei em uma academia, ouvia muito falar [de prostituição] e do quanto ganhava. Vim para Goiânia para ficar, sem volta. Estava focada. Hoje, tenho casa, carro e pago uma escola em tempo integral para meu filho ficar enquanto trabalho”, explica.
O turno dela é das 10h às 19h. Alguns dias pela manhã, ela malha e vai ao salão de beleza. As visitas à ginecologista também são frequentes, de dois em dois meses. O cuidado evitou que ela tivesse algum tipo de doença até então.
A família, segundo ela, finge que não sabe. Menos o pai, que busca o neto na escola todos os dias. Em dois anos, ela pretende largar a profissão e ingressar em curso superior de design. Questionada se tem namorado, ela foi enfática: “Não. Fico com tantos homens diferentes que hoje não sei se viveria sufocada por apenas um”, explica.
‘experiente’ (Foto: Sílvio Túlio/G1)
‘Entrei pelos meus filhos’
Na mesma região estava Vanessa, de 39 anos, que diz que escolheu a profissão para cuidar dos três filhos. Apesar de atuar na área há quatro anos, ela diz que “sofre com a concorrência” e se esforça para ganhar R$ 1,2 mil por mês.
“Entrei para meus filhos não virarem bandidos. Eu apanhava do meu marido e, um dia, o meu mais velho disse que iria matá-lo quando crescesse. Então eu o abandonei e fui criar meus filhos sozinha”, lembra.
Hoje, além dos três filhos, de 22, 20 e 17 anos, ela tem ainda dois netos. Em um futuro não tão distante, ela já se enxerga vendendo salgados na porta de uma faculdade, onde os familiares já trabalham.
Vanessa, que fica só de bermuda e sutiã na porta de um motel, onde faz os programas. Semestralmente, ela vai ao médico e garante que só transa com camisinha.
Questionada se está velha para a profissão, ela nega. “Tenho clientes fixos que vem aqui e dizem que preferem ficar comigo pela minha experiência”, contou.
Gêmeas, lésbicas e prostitutas
E o ramo da prostituição também reúne pessoas da mesma família. É o caso das gêmeas Tatyane e Gabriela, de 18 anos, que trabalham juntas na “região dos motéis”. Lésbicas, elas moram com outras duas mulheres. Apesar das semelhanças, elas dizem que suas companheiras têm opiniões diferentes sobre a profissão.
“Minha mulher sabe, mas pede para deixar o meu trabalho na rua. Já a dela nem sabe. Acha que ela faz faxina na rua. O importante é ter dinheiro em casa”, diz Tatyane, que tem um filho de 2 anos de quando ainda se relacionava com homens. Ela foi a primeira a entrar para o ramo e, quando tinha nove meses de atuação, levou a irmã.
Gabriela diz que até fez faxina, mas “cansou” de receber pouco e não ser valorizada. Hoje, chega a receber R$ 5 mil por mês. São apenas dois meses sendo abordada por clientes em busca de sexo. Ainda sem um prazo definido, ela sonha em seguir a carreira de médica veterinária.