Ari era professor no Distrito de Tarilândia no Município de Jaru, e conhecido por trabalhar registrando e denunciando extrações ilegais de madeira dentro da terra indígena onde vive o seu povo. Ele foi morto há quase três anos.
“Eu recebi o convite dos produtores do filme ‘O Território’. Topei na hora. Recebi com muito carinho essa oportunidade de fazer um trabalho que eu pudesse chegar perto e contribuir com o legado do Ari”.
A fala acima é de Mundano, de 36 anos. Ele se intitula como artivista: utiliza a arte para direcionar o olhar da sociedade para questões socioambientais do nosso país.
“A ideia era fazer um retrato de grandes dimensões em São Paulo para que pudesse levar para mais pessoas, tanto o caso do assassinato do Ari, também a história que se passa aí em Rondônia dentro do território e ao mesmo tempo pudesse ser meio que um ‘basta'”.
A pintura de Ari também tem o objetivo de fazer uma releitura da obra de Lasar Senegall, chamada “Bananal”.
Processo de produção
Com a ideia em mente, a questão se tornou escolher o prédio mais apropriado para a pintura. O local escolhido fica próximo ao Marco Zero, localizado em frente à Catedral da Sé, no centro da Cidade de São Paulo.
“Ela agora pode ser vista no Centro Histórico de São Paulo. E o mais legal: por ser o centro histórico, diversos guias e turistas diariamente andam por ali, então, a partir de agora, a história da cidade de São Paulo está sendo contada inclusive com a história do Ari”, aponta Mundano.
Na foto que foi utilizada como inspiração para a pintura, Ari está na floresta, segurando um tipo de ferramenta feita de madeira. A pintura de Mundano acrescenta à imagem de Ari, um grafismo tradicional do povo Uru-Eu-Wau-Wau em formato de “X” abaixo do peito.
Ari Uru-eu-wau-wau foi encontrado morto em RO — Foto: Reprodução/Kanindé
Trazendo ainda mais representação para a figura, Mundano decidiu utilizar terra da região do Marco Zero e cinzas de queimadas da Amazônia para produzir a tinta da pintura.
“Quando eu vi que boa parte do desenho eu ia estar usando marrom, me deu a ideia de fazer a pintura com terra. Então, no centro de São Paulo, no Marco Zero, eu recolhi essa terra e passei ela por filtragens, maceração até extrair esse pigmento que depois eu coloco verniz à base de água para ser o fixador. Então a representação do Ari é feita 100% com a terra e as cinzas da Amazônia“, descreve Mundano.
A tinta feita de cinzas também foi utilizada para escrever ao redor da pintura nomes de centenas de indígenas e ativistas que lutam pela proteção das florestas.
A obra que mede mais de 600 m² demorou nove dias para ficar pronta, com participação de mais quatro artistas: AFolego, Andre Hulk, André Firmiano e Everaldo Costa. Por conta da proporção da pintura, os artistas precisaram usar uma plataforma elevatória para alcançar toda área.
“São diversos desafios pintando uma obra desse tamanho. A altura, o tamanho em si, a própria tinta que é bem mais difícil de pintar e também a responsabilidade de fazer uma releitura de uma das obras mais importantes da história da arte brasileira. Mas o maior desafio pra mim, enquanto artista, foi de representar o Ari e tentar trazer a sua presença”, revela Mundano.
E a recepção do trabalho foi positiva e repercutiu. De acordo com Mundano, somente na quarta-feira (26), o vídeo sobre a arte alcançou mais de 1 milhão de visualizações. Além da pintura, diversos murais com a imagem de Ari foram espalhados por São Paulo e outros 20 estados.
“É uma obra histórica, no centro histórico de São Paulo, tentando fazer uma reparação aos povos originários que desde a invasão portuguesa sofrem massacre. Eu acho que a missão foi cumprida”, finaliza.
Morte e Legado
Ari fazia parte do grupo de monitoramento do povo indígena Uru-Eu-Wau-Wau e lutava combatendo os crimes cometidos contra seu povo e sua terra. Ele foi morto durante a noite de 17 de abril de 2020 e o corpo encontrado na manhã seguinte, com sinais de lesão contundente na região do pescoço, que ocasionou uma hemorragia aguda.
O suspeito foi preso somente dois anos depois do crime. As investigações da Polícia Federal (PF) concluíram, em 2022, que a morte do ativista “não tem ligação com crimes ambientais”. A versão não é aceita por indígenas e amigos de Ari.
Quase três anos após a morte do professor, seu nome continua a ecoar dentro e fora de Rondônia. Ele foi lembrado na abertura oficial da Conferência da Cúpula do Clima (COP26) na Escócia, durante discurso da ativista indígena Txai Suruí, em novembro de 2021.
O documentário ‘O Território’
Ari também é parte importante na construção de “O Território”. O documentário mostra a luta de indígenas Uru-Eu-Wau-Wau pela defesa de suas terras. Durante 1h24m de duração, o público entra nas rotinas de Bitaté, um jovem Uru-Eu-Wau-Wau e da ativista Ivaneide Bandeira, conhecida como Neidinha. A morte de Ari Uru-Eu-Wau-Wau também é apresentada na obra.
“Para o meu povo assistir esse documentário hoje é muito forte porque ele [Ari] esteve presente no início. Lembrar é um furo no coração da gente”, diz Bitaté.
TI Uru-Eu-Wau-Wau
Mudança das florestas em volta da TI Uru-eu-wau-wau, entre 1984 e 2020 — Foto: Google Earth/Reprodução
A Terra Indígena Uru-eu-wau-wau possui mais de 1,8 mil hectares e se espalha por 12 dos 52 municípios rondonienses. A maior parte do território fica em Guajará-Mirim (RO) e São Miguel do Guaporé (RO).
O território vive sob ameaças de grilagem de terras e desmatamento. Em 2021, a TI Uru-Eu-Wau-Wau foi a que teve o entorno mais desmatado, segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Em 2021, a ativista Txai Suruí denunciou invasores destruíram um antigo cemitério indígenas na TI para criar gado. O cemitério para os povos indígenas é um local sagrado e o cenário de destruição encontrado chocou aqueles que vivem terra Uru-Eu-Wau-Wau.
Criação de gado em cemitério indígena da terra Uru-Eu-Wau-Wau — Foto: Redes Sociais/Reprodução
Povos de nove etnias vivem na TI, entre eles, diversos indígenas isolados. São eles:
- Amondawa
- Isolados Bananeira
- Isolados do Cautário
- Isolados no Igarapé Oriente
- Isolados no Igarapé Tiradentes
- Juma
- Kawahiva Isolado do Rio Muqui
- Oro Win
- Uru-Eu-Wau-Wau