O estudo cruzou dados dos mais de 190 mil nascimentos prematuros no país, entre 2001 e 2018
Prematuridade, baixo peso ao nascer e malformações. Ao menos uma das causas desses problemas no Brasil é completamente alheia ao controle das gestantes e sua temporada está se aproximando: as queimadas. Três estudos da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV EPPG) demonstram essa relação. Um deles aponta que, na Região Sudeste, a exposição à fumaça dos incêndios nas matas durante o primeiro trimestre da gravidez está relacionada a um aumento de 31% na probabilidade de o bebê nascer prematuro. Na Região Norte, esse incremento é de 5%.
O estudo cruzou dados dos mais de 190 mil nascimentos prematuros no país, entre 2001 e 2018, utilizando como base o DataSUS, e informações sobre queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram considerados apenas os nascimentos de bebês até a trigésima sétima semana de gestação, e de mães entre 18 e 45 anos.
A exposição às queimadas, durante o mesmo período da gestação, também está ligada ao baixo peso do bebê ao nascer. De acordo com outra pesquisa, também da FGV, publicada na revista científica The Lancet, o aumento de 100 focos de queimadas esteve associado com 18,55% de chance a mais de uma criança nascer com peso abaixo do esperado na Região Sul do Brasil. No Centro-Oeste a correlação foi de 1% a mais. O estudo teve a participação de pesquisadores do Canadá, Dinamarca e também dos Estados Unidos.
A temporada das queimadas no Brasil vai de junho a novembro. De acordo com dados do Inpe, nessa época são registradas as maiores quantidades de focos de incêndios florestais. A Amazônia e o Cerrado são os biomas mais atingidos, mas não os únicos.
Resistência
Uma das hipóteses para os resultados mais preocupantes estarem longe do chamado arco do fogo, nos Estados do Norte e Centro-Oeste, é que “as gestantes da Região Norte, por estarem mais expostas ao longo da vida, podem desenvolver algum tipo de resistência quando comparadas às do Sul e Sudeste”, diz Weeberb Réquia, professor da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas, que coordenou as pesquisas.
Outra hipótese recai sobre a natureza do material queimado. “Há pesquisas que mostram que a queima da cana, por exemplo, é mais prejudicial à saúde do que a queima da matéria orgânica da floresta”, afirma o pesquisador.
Os resultados encontrados por Réquia estão alinhados com pesquisas internacionais, muito mais numerosas em locais como os Estados Unidos, a Europa e a China. “Hoje, já há uma certeza em relação aos efeitos da poluição do ar e das queimadas para a saúde vindos de diversos estudos”, diz o professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva.
O terceiro estudo analisou o impacto nas malformações congênitas. Entre a população analisada, de 2001 a 2018, 7.595 crianças nasceram com alguma das malformações consideradas pela pesquisa. As mais relevantes foram constatadas na região do palato e nariz, que apresentaram aumento de ocorrência de 0,7% em casos de contato das gestantes, durante o segundo trimestre da gravidez, com as queimadas.
As doenças no sistema respiratório tiveram aumento de 1,3% para casos de contato durante o mesmo período, e no sistema nervoso, 0,2%, quando se considera o terceiro trimestre. As regiões mais afetadas pelo impacto das queimadas na malformação congênita de bebês foram Norte, Sul e Centro-Oeste.
Nascimento saudável
Segundo Réquia, esses três fatores – prematuridade, baixo peso e malformação – são alguns dos indicadores para categorizar um nascimento saudável. Além disso, o professor destaca ainda que os três primeiros meses de gravidez são fundamentais para a saúde do bebê, pois é o momento crucial de sua formação.
Poluição
Os efeitos das temporadas de queimadas são mais nocivos à saúde do que o ar que se respira em São Paulo, a maior metrópole do Brasil, atesta o professor da USP Paulo Saldiva. Eles não se restringem às crianças e recém-nascidos. Estudo publicado em dezembro na revista Nature, feito pelo médico e pesquisador brasileiro, mostra as consequências do problema para a população em geral.
Para avaliar os riscos de mortalidade e os problemas associados à exposição de curto prazo a partículas resultantes de incêndios florestais, o pesquisador coletou dados de mortalidade entre 2000 e 2016, para 510 regiões do País mais propensas a incêndios florestais. Os resultados apontaram um aumento de 3,1% nas mortes por todas as causas, 2,6% na mortalidade cardiovascular e 7,7% nas causadas por doenças respiratórias.
O estudo encontrou associações mais fortes em mulheres e adultos com idades acima de 60 anos e diferenças geográficas nos riscos de mortalidade.
“O aumento da mortalidade estimada entre 2000 e 2016, por todas as causas, foi de 121 mil pessoas, mais de 29 mil por doenças cardiovasculares e 31 mil por causas respiratórias”, analisa Saldiva. “A poluição é um risco para qualquer um, não há defesas individuais. Você pode se afastar de um local em que se fuma, mas não da poluição.”
Na Amazônia, as emissões de queimadas são maiores em anos com maiores taxas de desmatamento e o período abordado abrangeu os anos de 2005, 2007 e 2010, marcados por secas severas em que as emissões de incêndios aumentaram de 1,5 a 2,8 vezes em comparação com anos sem seca.
O que a inalação provoca?
O vilão desse processo chama-se material particulado fino (PM2,5) , resultante das queimadas. Com diâmetro inferior a 2,5 micrômetros, ou 2,5 milésimos de milímetros, as partículas são carregadas pelo vento, inaladas pelos seres humanos e carregadas para a corrente sanguínea.
A presença dessas partículas na corrente de gestantes, por exemplo, pode levar ao estresse oxidativo, inflamação pulmonar e da circulação placentária. Estudos indicam que isso pode diminuir a troca de nutrientes e oxigênio através da placenta, resultar em desenvolvimento fetal adverso e aumento do risco de parto prematuro. Pesquisa recente mostrou que em incêndios florestais, o material particulado é mais tóxico do que em doses iguais de outras fontes de poluição.
Fonte: Rondônia ao Vivo