A maternidade trouxe à multiartista Paty Wolff três presentes: o Leo, seu filho, as histórias de “Como pássaros no céu de Aruanda”, escrito no pós-parto e que levou-a logo em seu primeiro livro à final do Prêmio Jabuti, principal premiação de literatura do país, e a descoberta de mais um talento: a escrita.
Apesar de não ter conquistado a honraria – vencida por A vestida: contos, de Elaine Alves da Cruz – Paty viu sua entrada no mundo da literatura nacional e nos lugares que passou a ocupar por meio dela também como um prêmio. Afinal, por muito tempo ouviu e viveu que o Theatro Municipal de São Paulo, onde o prêmio foi entregue, e inúmeros outros não eram dela, uma mulher negra, periférica e fora do eixo Rio-São Paulo.
“A indicação foi uma grande surpresa, não imaginava, por conta até da minha origem periféria, estudante de escola e universidade pública, vinda de lugares onde nunca me foi fomentado poder ser artista, escritora. Quando criança, adolescente, nunca pude sonhar com isso”, reflete.
Paty tem 33 anos e mora em Cuiabá, mas nasceu em Rondônia, vinda de uma família baiana, que percorreu também outros estados. O pai não conhece nem os próprios primos, muito menos a história dos avós, que, segundo ela, foram pessoas escravizadas.
E foi neste cenário – da escravidão, da luta do povo negro e de suas raízes africanas – que a escritora baseou sua obra, publicada pela Entrelinhas Editora.
“O livro tem esse olhar, esse desejo de liberdade, como os pássaros, como os sonhos que temos de que estamos voando, mas também fala sobre a dor e sobre a luta, da revolta, do protagonismo, da rebelião e da fuga”, cita.
Aruanda, por exemplo, é uma alusão à Luanda, capital de Angola. De acordo com a escritora, um lugar que viveu no imaginário dos escravizados, como um paraíso depois do Atlântico, mas muito distante da realidade que enfrentavam no Brasil.
Parto natural
“Como os pássaros no céu de Aruanda” foi escrito no puerpério. Sem ter como pintar e esculpir, Paty sentiu uma necessidade de se expressar e encontrou nas palavras, na madrugada e na escrita fácil no celular como iniciar os contos e as histórias que mais para frente passaram a integrar o livro.
“Veio uma enxurrada, uma nascente, algo que queria nascer. Não sabia que estava escrevendo minicontos, eram narrativas e memórias que eu ouvia da minha mãe, das pessoas e que atravessavam a história. Era muito intuitivo”, contou ao g1.
Depois que os caminhos que o livro tomaria começaram a ficar mais claros, Paty pesquisou sobre o iorubá e outras línguas de matriz africanas que ajudaram a contar as histórias de seus personagens.
“O livro é uma expressão de liberdade”, diz. “E a luta continua nesse caminho, na própria vida e na construção da sua própria negritude”.
Conciliando mundos
As ilustrações do livro também são dela. Paty é pintora, desenhista, ilustradora, ceramista e trabalha com materiais pouco convencionais, como papelão e tijolos. Além disso tudo, é atriz, geógrafa, mestre em geografia, editora da revista digital Ruído Manifesto e participa das atividades do Centro Cultural “Casa das Pretas”.
“Como os pássaros no céu de Aruanda” foi escrito em 2019 e venceu o Edital Estevao de Mendonça, do Governo de Mato Grosso, na categoria para novos escritores. Como prêmio, ganhou a publicação de 2 mil exemplares – metade foi distribuída para bibliotecas do estado.
Paty saiu vitoriosa também no projeto Minha Biblioteca, da Prefeitura de São Paulo, e seu livro integra o acervo das bibliotecas municipais da capital paulista.
O segundo livro, Thehcitura, também já foi publicado. É uma obra infanto juvenil.
“Me vi como escritora quando não deixei de escrever e decidi trilhar um caminho na cena literária”, conclui.
Exemplo incontestável de talento, luta e resistência, Paty ainda participa de oficinas em escolas públicas.
“Falo para eles que são potência e que podem fazer tudo o que quiserem, ocupar os espaços que quiserem, mas é preciso esforço e luta. Seja contra o racismo, contra a desigualdade social, contra a violência. Eles podem tudo”, reforça.