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Jaru, 25 de abril de 2024

Mitomania: “Precisei fazer tratamento para deixar de mentir!”

Julho de 2007. Para convencer o dono da loja de informática onde eu trabalhava a montar estande numa feira evangélica, inventei que a igreja que eu frequentava bancaria metade do investimento. Já para meu pastor eu disse que minha empresa cederia espaço para divulgar a igreja dele. Sim, eu mentia com muita facilidade. Mas não por falta de caráter e, sim, por sofrer de uma doença.

Eu sustentava as mentiras que dizia até o fim
Lembro de cometer esses deslizes desde criança. Aos 7 anos, se ganhasse uma boneca pequena e sem marca, dizia para minhas amigas que tinha ganhado a maior Barbie da loja. Insegura, eu achava que só assim as meninas me valorizariam.
Aos 14 anos, namorei escondida por meses. Dizia aos meus pais que estava na igreja e ia para a casa do boy. Aos 15 anos, comecei a trabalhar. Ganhava R$ 300 por mês, mas gastava mais de R$ 700. Acreditava que uma hora conseguiria quitar as contas. Mentia pra mim mesma – e acreditava, sustentando até o fim o que inventava. Quem pagava as dívidas era papai, já preocupado com meus impulsos.
Aos 19 anos, passei a achar normal usar o dinheiro da loja de informática em benefício próprio. “Depois dou um jeito e ninguém ca sabendo”, me iludia. Cheguei a me presentear, na conta da loja, com um computador no Dia dos Namorados. Fiz o pedido e emiti nota falsa, no nome de um cliente verdadeiro. Quando o fornecedor começou a cobrar, acusei o cliente de não pagar. Mentira! Ele tinha pago a compra dele, mas escondi a nota verdadeira.
Meu mundo caiu quando o fornecedor protestou a empresa na Justiça. Desconfiado, meu chefe vasculhou minhas gavetas e descobriu as notas escondidas. Além dessas, havia a do estande – que seria inteiramente pago pela empresa dele.
Fui demitida na hora, por justa causa. Todas minhas mentiras foram repassadas aos meus pais e meu namorado terminou comigo. Fui internada em uma clínica psiquiátrica. Mas eu ainda não me reconhecia como doente. Após um dia de internação, pedi para meus pais me buscarem. Menti descaradamente dizendo que tinham me batido lá dentro.
Só admiti que precisava de ajuda meses depois, quando minha família me convenceu a ir numa psicóloga. Com ela, percebi que a mitomania (veja quadro) era uma doença, eu sofria dela e precisava de tratamento. A terapia funcionou.
Agora, quando percebo que estou prestes a contar uma mentira, paro de conversar com meu interlocutor. Respiro, conto até dez e volto a falar. Se o impulso for mais rápido do que esse controle, tão logo possa eu esclareço a verdade e peço desculpas a quem enganei. É algo parecido com o vício em bebida: temos de nos propor a viver um dia após o outro sem mentir.
Aprendi a valorizar a confiança das pessoas
Arranjei um novo emprego e, aos poucos, reconquistei a confiança dos meus pais. Ainda fiquei um bom tempo quitando a dívida com o meu antigo empregador. Ao olhar para trás, penso que os danos que causei poderiam ser maiores. Eu poderia ser presa se todos a quem prejudiquei não estivessem empenhados em me ajudar. Hoje sei valorizar a importância de ter a confiança das pessoas. – KÁSSIA ARAÚJO, 28 anos, secretária, Curitiba, PR

Mitômano perde a noção dos atos
Uma pessoa pode mentir por várias razões: fazer média, aplicar golpe… Mas a mentira só vira doença (mitomania) quando o indivíduo perde a noção das consequências e danos causados. Esse distúrbio se explica na infância. “Se os pais percebem que o filho mente e não o expõem às consequências, estão incentivando esse hábito. O mitômano precisa aprender que mentir prejudica os outros e a si mesmo”, explica o psicólogo Sandro Caramaschi, da Unesp (Universidade Estadual Paulista). Segundo estudos, o mentiroso compulsivo não mente por máfé. “Ele pensa que só será aceito na sociedade se corresponder às expectativas alheias, mesmo que irreais”, explica a psicóloga Marisa Lobo, autora do livro Por que as Pessoas Mentem? (Ed. Arte Editorial, fora de catálogo). O tratamento envolve terapia e até antidepressivos para elevar a autoestima do paciente.

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