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Jaru, 28 de março de 2024

Lideranças indígenas da Região de Jaru escapam de ataque em aldeia: ‘querem tirar a gente do caminho’

Lideranças indígenas da etnia Uru-Eu-Wau-Wau denunciaram à Polícia Federal (PF), em Porto Velho, que foram ameaçadas de morte por madeireiros. A PF informou nesta sexta-feira (13) que a denúncia está sendo apurada por um delegado, que deve instaurar um inquérito.

Segundo Awapu e a esposa Juwi Uru-Eu-Wau-Wau, homens os procuraram pela aldeia na última terça-feira (10), mas não os encontraram. O casal está na capital rondoniense participando de um treinamento de pilotagem de drones. Esse curso faz parte de um projeto da ONG World Wide Fund for Nature para ajudar na proteção de terras indígenas em Rondônia.

“Faz tempo que venho sendo ameaçado. Inclusive uma vez até comentaram que quando me encontrassem iam jogar gasolina na minha moto e em mim”, lembrou o líder indígena.

Awapu também explicou que ficou sabendo do ataque por meio de um telefonema. “Meu pai falou ‘um pessoal veio procurar você, foram quatro motos, nós vimos que eles ficaram das sete até dez da noite na aldeia e o pessoal não tava de brincadeira'”, disse.

Awapu Uru-Eu-Wau-Wau aprendendo a pilotar drones durante treinamento da WWF em Porto Velho. — Foto: Priciele Venturini/ Rede Amazônica

Awapu Uru-Eu-Wau-Wau aprendendo a pilotar drones durante treinamento da WWF em Porto Velho. — Foto: Priciele Venturini/ Rede Amazônica

Awapu e Juwi fazem parte da equipe de vigilância da aldeia Javepura, região de Jaru (RO). O trabalho deles consiste, principalmente, em registrar e denunciar extrações ilegais de madeira dentro da aldeia.

“A gente entra no mato e o que encontramos nós registramos, tiramos fotos e fazemos as denúncias. A gente pede apoio da polícia para enquadrar as pessoas que invadem nossas terras e roubam madeira”, afirmou Awapu.

Indígenas Uru-Eu-Wau-Wau durante curso de pilotagem de drones em Porto Velho. — Foto: Ana Kézia Gomes/G1

Indígenas Uru-Eu-Wau-Wau durante curso de pilotagem de drones em Porto Velho. — Foto: Ana Kézia Gomes/G1

Após a última ameaça, os indígenas decidiram pedir ajuda na internet. Em um vídeo gravado pela Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Avapu revela que as ameaças também são direcionadas às crianças que vivem na aldeia.

“Meu nome é Avapu. Eu sou chefe da equipe de vigilância em Rondônia do Uru-Eu-Wau-Wau. Nossa terra é uma das mais desmatadas e perigosas do Brasil. Hoje a gente sabe que têm garimpeiros, grileiros e madeireiros aqui. Só esse ano fui ameaçado de morte três vezes. Agora, os invasores estão indo armados me procurar perto da minha aldeia. Eles falaram até que iam matar nossas crianças. Eu não quero que aconteça o mesmo que aconteceu com os parentes Guajajara. Continuaremos resistindo, mas a gente não quer morte, nem guerra. Chega de massacre com os povos indígenas da Amazônia”, contou Awapu (veja vídeo abaixo).

Líder indígena do Uru-Eu-Wau-Wau denuncia ameaças de morte por madeireiros

Em entrevista ao G1, Juwi disse que os indígenas apenas querem respeito, que a terra seja preservada e que os suspeitos deixem que eles cuidem da floresta.

“As pessoas querem tirar a gente do caminho para poder desmatar toda a floresta. Tem muitos de nós que vivem da floresta. A gente só quer proteger o que é nosso e quer que as pessoas de fora respeitem a gente”, disse.

O casal também comentou que por medidas de segurança não retornará para a aldeia após o curso de pilotagem de drones.

“Ontem mesmo eu fiquei emocionado e chorei pensando ‘será que não vou ver mais minha família?’ É difícil”, disse Awapu.

Denúncia

A associação Kanindé acompanhou os indígenas durante a denúncia junto a Polícia Federal na última quarta-feira (11). Segundo a ambientalista Ivaneide Bandeira, na Uru-Eu-Wau-Wau os indígenas são ameaçados de morte por lutarem para tirar os invasores de dentro da aldeia.

“Estamos muito preocupados. A gente não pode pegar a pessoa que mora na aldeia, tirar e botar para morar na cidade. A terra indígena é a casa deles. O correto agora era ter uma proteção mais constante na região. É isso que estamos buscando”, explicou Ivaneide, ressaltando que o governo precisa tomar medidas drásticas para frear o desmatamento em terras indígenas.

De acordo com dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Inpe, a Uru-Eu-Wau-Wau, que tem ao todo 1.857 mil hectares de área, perdeu 42,54 km² entre 2008 e novembro de 2019. A área desmatada equivale a sete campos de futebol, do tamanho do Maracanã.

O que diz o governo?

Em nota, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental (Sedam), através da Coordenadoria de Proteção Ambiental e da Coordenadoria de Unidades de Conservação informou que vem promovendo a devida fiscalização e o monitoramento das áreas sob sua competência.

Segundo a pasta, são implementados projetos de carbono, planos de manejo florestal sustentável, agroindústrias, operacionalização das unidades de conservação, pesquisa científica, monitoramento da biodiversidade, valorização das comunidades extrativistas dentre outras.

Ainda consta na nota que “o estado de Rondônia é parceiro das instituições federais e busca sempre apoiar as ações, porém, não pode ser acusado de má gestão ou omissão quando nem ao menos tem a competência de gestão/fiscalização”.

G1 entrou em contato com as assessorias da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e aguarda posicionamento referente a fiscalização na terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau.

Mortes de lideranças indígenas

Mortes de índios e lideranças indígenas no campo — Foto: Comissão Pastoral da TerraMortes de índios e lideranças indígenas no campo — Foto: Comissão Pastoral da Terra

Mortes de índios e lideranças indígenas no campo — Foto: Comissão Pastoral da Terra

Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgados esta semana, apontam que o número de lideranças indígenas mortas em conflitos no campo em 2019 foi o maior em pelo menos 11 anos. Foram 7 mortes em 2019, contra 2 mortes em 2018. Os dados deste ano são preliminares: o balanço final só será feito em abril do próximo ano.

Segundo a CPT, esse aumento no número de mortes é resultado de um discurso de “violência institucionalizada” nos conflitos do campo.


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