Gravações telefônicas obtidas com exclusividade pelo G1 revelam como funcionava parte do esquema de exploração ilegal de diamantes na Terra Indígena Roosevelt, em Espigão D’Oeste (RO), região da Zona da Mata. Em uma das conversas, dois garimpeiros falam em vender pedras por US$ 5 milhões na Suíça.
O esquema foi revelado nesta quinta-feira (24) através da Operação Crassa, da Polícia Federal (PF). Entre os investigados estão indígenas, garimpeiros, intermediadores responsáveis por avaliar o valor das pedras preciosas e também por fazer a ponte com os compradores, e empresários.
Em uma ligação de 14 minutos, interceptada pela PF em maio de 2019, dois garimpeiros identificados como Luciano e Nilson negociam duas pedras de diamantes (avaliadas em R$ 250 mil cada uma) oriundas da reserva Cinta Larga.
Na ocasião, Nilson diz estar com um italiano que compra diamantes em Rondônia e os revende fora do Brasil. A pretensão da dupla é ganhar comissão (2,5% para cada um) sobre a venda dessas pedras para esse estrangeiro.
– LUCIANO: Era o tempo que você era meu amigo, Nilson.
– NILSON: Fala isso não, rapá. Pô, eu tô trabalhando em cima do italiano pra ver se eu arrumo alguma coisa pra nós, se você precisar. Ixe maria. E aí, como ficou com esse seu amigo comprador aí?
– LUCIANO: Amanhã nós vamos topar de novo, mas assim… Sabe aquelas duas pedrinhas que eu te mandei? Ele tá “enxuriçado” nessas duas pedrinhas.
– NILSON: É ué, vende pra ele, ué, se ele quiser mesmo, né.
– LUCIANO: Mas ele quer aqui, aqui o povo não traz, não tem jeito, cê conhece Rondônia.
– NILSON: É… Não traz, é esse o problema.
– LUCIANO: Aí eu falei pra ele que o cara queria 250 mil nessas duas pedrinhas. Né…
– NILSON: Aham…
– LUCIANO: Vale?
– NILSON: Eu não sei… Foto é complicado a gente dar valor.
– LUCIANO: Uma de 4 CT (quilate), outra de 7 CT.
– NILSON: 11 CT por 250 mil reais…
– LUCIANO: É, mas é uma pedra única, né, não é separado, né.
– NILSON: É… mas não tá barato não, velho.
– LUCIANO: Não, assim, eu vou te falar a verdade, eu joguei 250 mil pra ver se ele fica com uma daquele patrocínio, né, pra tirar ele de cabeça. Aí ele quer porque quer essa aí e ainda paga comissão.
– NILSON: Opa, ô, isso é bom.
– LUCIANO: É bom, só que eu não tenho dinheiro pra ir buscar ela, ué.
– NILSON: Ah, entendi.
– LUCIANO: E eu pago 90 nas duas.
– NILSON: Ô rapaz, vai ganhar [falas sobrepostas], tá ganhando o dobro aí, pô.
– LUCIANO: Então, só que eu já joguei um preço alto pra ele tirar de cabeça, entendeu, o cara peitou. Porque eu sei que o povo não traz aqui.
– NILSON: Não traz nada, os cara tem medo de ser roubado.
– LUCIANO: Uhum. Eu acho que esse cara não é ladrão, porque veio na minha casa. Mandou o mandante dele na minha casa. Ladrão não faz isso.
– NILSON: Não faz mesmo não. Pelo menos não tem essa característica né.
– LUCIANO: É. Mas talvez pode ser um galo cego da vida, que eles fala né.
– NILSON: É, pode ser malandro, né.
– LUCIANO: Mas só que o cara já comprou vários DI pra ele né, igual ocê com o menino lá.
– NILSON: Com o italiano, né.
– LUCIANO: Com o italiano. Isso… eu fui fazer uma pergunta do comprador, ele: não, pode ficar tranquilo, isso aí eu garanto, se der algum problema eu mesmo pago as despesas. Então…
Luciano diz que conhece o rapaz da cidade, que ele não é quebrado.
– NILSON: Olha só, eu falei agora com o italiano agora há pouco, uma porcaria de ligação, ele me ligou, não consegui entender bem. Mas parece que ele já tá chegando no Paraguai, aí ele vai me ligar. Tô só esperando ele me dar uma ligada, mas eu tava esperando pra amanhã, ele me ligou hoje… uma ligação muito ruim.
Na ligação, Luciano diz que precisava fechar um negócio de pelo menos 2 mil CT (quilates) para poder andar sozinho por Rondônia e buscar material. Nilson diz ainda que o italiano não tem pedra, ele compra pra revender. “Ele vai na boa, porque ele marca com os caras, vê se o negócio é sério, se for sério, ele paga e revende lá fora, onde ele ganha dinheiro”.
Em outra chamada, no dia seguinte, Nilson diz a Luciano que falou ao italiano que o diamante negociado não tem documento. Luciano responde dizendo que “nada em Rondônia tem documentação”.
Nilson então pede se Luciano não consegue uma nota com alguma cooperativa. Luciano promete tentar conseguir, pois tem que ir com “calma”.
A ligação continua e Nilson fala que se conseguir as documentações o Italiano vende a pedra na Suíça por U$$ 5 milhões.
– LUCIANO: Então, duro que essa merda não tem documento, Nilson. É por isso que precisa…
– NILSON: Ah, não tem não…
– LUCIANO: Ela não tem. Nada lá em Rondônia tem.
– NILSON: Ah, essa também é de Rondônia?
– LUCIANO: De Rondônia.
– NILSON: Mas a gente não consegue uma nota de cooperativa lá não, ô Luciano?
– LUCIANO: Aí é que tá. Por isso que a gente tem que ir primeiro com tempo, dar um pulinho no Pará, ir na cooperativa, trocar uma ideia lá, eles dando o OK a gente vai pegar a pedra. Se possível, pega foto dela, entendeu, e o peso certinho, tudo certinho, pescadinho, e já faz a nota, vai lá e busca.
– NILSON: Ele falou que tem comprador pra essa pedra lá na Suíça.
– LUCIANO: Ah, isso aí é certeza. O duro é que não tem nota.
– LUCIANO: E ela tá barata, ela tá 5 milhões de reais. Por ser uma pedra desse tamanho, entendeu. Se agora… com a documentação ela vai sair com uns 7 [milhões]. Ele vende ela por 5 milhões de dólares.
– NILSON: É, talvez. Ele falou alguma coisa parecida com isso mesmo, ele falou: eu acho que uns 4 milhões de dólares, 4 milhões e meio eu vendo essa pedra lá.
– LUCIANO: Aí, o cara quer 5 [milhões], entendeu. Você chega nele e fala: eu pago 5, com a nota. Você cobre a nota?
LUCIANO: Talvez a gente consegue nota ali do Espigão, porque Espigão é cooperativa, cooperativa pode tirar nota.
Na sequência da ligação Nilson perece mencionar o nome do italiano (Pasquale).Nilson ainda pergunta em que cidade mora Luciano, e ele responde ser em Uberlândia (MG).
Em uma chamada no outro dia, o garimpeiro Luciano conversa com um negociador, chamado Paulo, e diz que irá até Rondônia buscar os dois diamantes comentados por Nilson.
Paulo então afirma ter pedras de 106, 30, 26 e 40 quilates (CT), sendo a maior avaliada em US$ 1,2 milhão.
– LUCIANO: Fala comigo.
– PAULO: Então, o cara, a pedra é de 106 CTs, pra pedirem 1 milhão e 200 mil dólares nela, aí cê vê, tem pedra de 30, tem pedra de 26, tem pedra de 40, é só levar o comprador.
– LUCIANO: Uhum. Não, beleza, amanhã nós tamos topando, porque amanhã nós vai topar lá em Rondônia. Tá?
– PAULO: Uhum.
– LUCIANO: Sabe aquelas duas pedrinhas?
– PAULO: Sei.
– LUCIANO: Relevou elas, tô indo buscar.
– PAULO: Não, beleza…
– LUCIANO: É uma vantagem pra mim, que aí eu tenha 100% de certeza que o cara é pagador, né, Paulo?
– PAULO: Não, beleza, aí você me fala.
– LUCIANO: Aí nós vamos lá, e de lá eu vou acertar o que tiver que acertar lá, aí eu vou puxar ele pra patrocínio, aí eu te ligo.
– PAULO: Não, beleza então, nós vai falando então.
Reserva Roosevelt
A reserva Roosevelt, de onde os diamantes eram extraídos pelos criminosos, tem uma área de 231 mil hectares e fica localizada entre a divisa de Rondônia e Mato Grosso. Na área existem dois povos indígenas, entre eles o Cinta Larga.
A reserva Roosevelt é considerada uma região de conflitos. Em dezembro de 2015, dois madeireiros foram assassinados dentro da reserva enquanto praticavam a extração ilegal de diamantes. O indígena suspeito de ter cometido o crime foi preso.
Policiais Federais ocuparam a Reserva Roosevelt ainda em dezembro daquele ano, na segunda fase da Operação Crátons, onde resultou na prisão de nove pessoas, sendo seis indígenas.
Com a ocupação, os federais passaram a ter acesso livre a reserva. O objetivo era acabar com a atividade ilegal de extração de diamantes e madeira dentro da reserva, que pertence ao povo indígena Cinta Larga.
Operação Crassa
Polícia Federal faz operação contra o garimpo ilegal de diamantes em terras indígenas
Os diamantes, segundo a PF, eram retirados ilegalmente e passam por avaliação do intermediador até serem vendidos em joalherias — principalmente em São Paulo e no exterior, em países como França, Itália e Suíça.
Os diamantes da reserva estão entre os que são considerados os mais valiosos do mundo. De acordo com investigação da PF, o esquema criminoso movimenta cerca de US$ 20 milhões por mês.
No total são cumpridos 53 mandados de busca e apreensão no interior de Rondônia e em São Paulo, Roraima, Paraná, Piauí, Mato Grosso, Minas Gerais e Distrito Federal.
Extração ilegal de diamantes na Terra Indígena Cinta Larga em Rondônia — Foto: PF/Divulgação