Por inúmeras vezes, a dona de casa Raimunda Tereza Calado, de 37 anos, tentou tirar o irmão, Antônio Francisco Calado, de 57, do buraco onde ele vive desde 1990, em uma pequena propriedade rural de Nova Roma, no norte de Goiás. Mas todas elas foram em vão. A conclusão a que a mulher chegou é que é “impossível” fazê-lo sair e que é mais fácil tentar criar uma infraestrutura no local para que o homem viva melhor.
A situação de Antônio motivou uma visita do juiz Everton Pereira Santos, na última terça-feira (27). O magistrado foi ao local e pesou a situação ao julgar procedentes dois pedidos de pensão pela morte dos pais e de interdição judicial, feitos pela irmã.
Também ajudou na decisão um laudo pericial apontado que Antônio tem esquizofrenia paranoide, doença mental que o fez considerar incapaz.
Juiz visita buraco onde homem vive há 25 anos
(Foto: Aline Caetano/TJ-GO)
Mortes dos pais
Raimunda revela que Antônio sempre morou com os pais em uma pequena chácara da cidade. Quando o pai morreu, em 2000, o homem já começou a ficar, como ela diz, “mais perturbado”. Porém, foi com o falecimento da mãe, em 2012, que a situação piorou, pois eles eram muito ligados.
Segundo a dona de casa, o irmão começou a cavar o buraco há 25 anos sem nenhum motivo aparente. “Ele ia lá, cavava e voltava para casa. Mas quando terminou resolveu morar lá. Ele nunca gostou de casa. Quando vai à minha, dorme no quintal, embaixo de um pé de manga”, conta.
Caçula de 14 irmãos – dos quais três já morreram -, Raimunda é a familiar mais próxima de Antônio. Alguns irmãos, que moram em outros estados, pouco procuram saber informações sobre o parente.
Melhorias
Como curadora de Antônio, a irmã vai administrar os dois salários mínimos mensais a que o homem agora tem direito. Além disso, ela vai ter que empregar e prestar conta dos R$ 70 mil, referentes ao período retroativo. De acordo com o judiciário, o MP deve monitorar os gastos.
Ela diz que a ideia é construiu um barraco no local, mesmo que Antônio não viva nele. Outra ideia é fornecer água tratada para o irmão e alimentos com mais qualidade para que ele não se alimente apenas da pequena horta que cultiva.
“O que sinto por ele é amor. Faço qualquer coisa e corro atrás de tudo que estiver ao meu alcance para dar o melhor para ele”, define.
Visita do juiz
A situação encontrada no local deixou o juiz Everton Pereira Santos intrigado. “Olha, é uma situação muito peculiar, indescritível. Ao mesmo tempo em que ele aparenta ter muita inteligência para usar técnicas na construção do buraco e manusear ferramentas, demonstra aparentes delírios, dizendo que conversa com os raios e trovões”, disse ao G1.
Segundo o magistrado, Antônio não fala “coisa com coisa” e não consegue estabelecer uma linha de raciocínio clara e linear. Apesar disso, mostra lampejos, principalmente relacionados à construção, que fazem Santos acreditar até em coisa de outro mundo.
“Ele criou um sistema para que a água da chuva não entre no buraco e ele poder utilizá-la depois. É fantástico. Quem ensinou isso para ele? Tenho a impressão que ele tem contato com outro ser. Ele se inspira em alguém, é muito estranho”, diz.
A residência de Antônio também impressionou o juiz. A construção, em formato oval e com aproximadamente 8 m², tem os cômodos divididos e só é possível chegar a pé. Ao entrar, existe a sala. De um dos lados, um oratório com duas imagens de santos e do outro o quarto, onde ele dorme sobre um pedaço de madeira com panos velhos.