Lei estadual estabeleceu 29 de março como dia em memória às vítimas da pandemia em Rondônia. Confira histórias — para além dos números.
Há exatamente dois anos, familiares, amigos e a população de Rondônia lamentavam a primeira morte por Covid-19 no estado. Esta terça-feira (29) é marcada pelo dia estadual em homenagem às 7.175 vidas perdidas pela doença desde o início da pandemia.
Uma das vítimas foi Maryluce Ferreira. Ela faleceu aos 38 anos, em 10 de maio de 2020, Dia das Mães. Segundo o irmão, Thiago Gonçalves, ela era funcionária pública, se doava pela cultura rondoniense e sempre tinha um sorriso no rosto “de orelha a orelha”.
“Era dia das mães, mas hoje eu não tenho mais a minha mãe, a minha mãe-avó e nem a minha irmã”, comenta entre lágrimas.
A dor de Thiago é de saudade, mas também de lembrar da forma como a irmã se foi. Rapidamente e sem oportunidade de despedida.
“Eu saí da UPA [Unidade de Pronto Atendimento] pra ir lá pro Cemetron [Centro de Medicina Tropical de Rondônia], a última imagem que eu tenho dela é ela se batendo na maca, pra entrar na ambulância. Até hoje está na minha mente”, relembra.
Contar histórias em meio a dor
Em meio ao colapso sanitário, social e econômico gerado pela pandemia, várias profissões foram impactadas. Algumas pessoas tiveram a oportunidade de exercer os cargos em home-office, mas outros continuaram na linha de frente, como os jornalistas.
Cumprir o papel de contar histórias se tornou mais difícil, por ter que lidar também com o luto pelos próprios colegas de trabalho.
A jornalista Maríndia Moura trabalhou 24 anos ao lado de Cléo Subtil. No dia 5 de maio de 2021, ela teve que noticiar o falecimento da amiga. Cléo, também comunicadora, passou 16 dias internada e não resistiu à Covid-19.
Dois dias antes de ir para o hospital, ela tinha perdido o marido, também para a Covid-19. O casal deixou três filhos de 17, 19 e 23 anos na época.
“Eu não dormi naquela noite que eu fiquei sabendo. É muito duro, muito dolorido porque eu pensava assim: ‘a Cléo tem três filhos, ela vai lutar pela vida por esses três filhos, ela já perdeu o marido ela não vai deixar acontecer, mas infelizmente aconteceu'”, relembra Maríndia.
A arte permanece
Nestor Pereira Campista tinha o sonho de escrever um livro de poesias, mesmo sendo semianalfabeto. Ele aprendeu a ler e escrever sozinho aos 30 anos, pois não teve a oportunidade de frequentar a escola durante a infância e adolescência.
“Meus pais tiveram 15 filhos, por isso tive que ir para a roça cedo. Com sete anos já estava com a enxada na mão para ajudar no sustento da família”, comentou ele em uma reportagem do g1 em 2016.
Nestor morreu de Covid-19, sem realizar o sonho de lançar o livro, após passar 17 dias internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Mas em março de 2022, a família do jardineiro e poeta anunciou nas redes sociais o lançamento do livro “Memórias de um Poeta”, com poesias escritas por Nestor antes de morrer. A arte dele permanece.
“Paizinho pena que não estás mais aqui para concluir este sonho ao qual o Senhor deu inicio, mas pela força de Deus estamos concluindo. Com certeza suas poesias ficarão de lembranças para as novas gerações, seus netos e bisnetos. Suas belas mensagens do amor de Deus falarão em muitos corações. Como dói sentir tua ausência, a saudades é imensa”, publicou a filha dele, Maria Campista.
Dor coletiva
De acordo com a psicóloga Ana Costa, nesse período de pandemia a perda diária de entes queridos se tornou um luto coletivo.
A data em memória às vítimas da Covid-19 facilita na reprodução de rituais coletivos que vai fazer com que a dor seja melhor processada.
“O luto coletivo nem sempre é um luto que a sociedade reconhece. Então a gente se enluta pelos parentes e pelos amigos, mas a gente também se enluta pela coletividade”, aponta.
Fonte:g1,RO