Proposta pelo deputado Lazinho da Fetagro, a Sessão Solene realizada na tarde desta segunda-feira (22), na Assembleia Legislativa, no Plenário Lúcia Tereza, homenageou, com a entrega de Voto de Louvor, personalidades que contribuíram com a luta e o avanço da Igualdade Racial no estado de Rondônia.
Ao abrir a solenidade, o deputado Lazinho da Fetagro agradeceu a presença de todos destacando se tratar da segunda edição do evento, realizado pela primeira vez no ano de 2019, destacando que em 2020 não foi possível em função do agravamento da pandemia da Covid-19. Para o deputado é sempre muito importante tratar sobre o assunto da igualdade racial e da luta contra o racismo. “Estamos aqui reunidos mais uma vez para tratarmos deste importante tema, para homenagear personalidades importantes na luta pela igualdade racial. Muito obrigado a todos pela presença e pela constante luta em defesa da igualdade racial e contra o racismo. Uma luta árdua que conseguiremos vencer, de mãos dadas promovendo a justiça social e a nossa igualdade”, disse o deputado, se dizendo feliz pela presença de todos que lutam e fazem a luta pela igualdade no Brasil.
“Quem sabe um dia, não precisamos mais prestar homenagens. Esse é o nosso sonho, porque quando a fazemos, parece que estamos cobrando uma coisa que não precisa mais ser cobrada. Em pleno século XXI, ainda termos que cobrar ações contra o racismo e ao tratamento discriminatório que é dado no nosso país”, comentou Lazinho.
Para abrir as falas, o artista e ativista do Movimento Negro e LGBTQIA+, Anderson Ferreira, se apresentou cantando a música, Canto das Três Raças, composição e música de Mauro Duarte e letra de Paulo César Pinheiro. A apresentação encantou à todos e levou uma mensagem de força e de luta.
Orlando Francisco e Souza, ativista do Movimento Negro, iniciou os pronunciamentos dos convidados que compuseram a mesa da solenidade. A princípio, o ativista parabenizou o deputado pela iniciativa de propor a homenagem, agradeceu a presença dos demais convidados e comentou sobre a satisfação de presenciar o número de movimentos que abordaram a questão racial.
“Porém, mesmo com toda essa movimentação, nós temos a infelicidade de ver a Fundação Palmares fazer o maior desserviço que o Movimento Negro já fez, mesmo diante de todas as últimas ações no Brasil. Com isso eu chamo a importância de articularmos esses movimentos como um todo, afinal, fazer pulverizado, faz com que a gente fique à mercê do indivíduo, mau elemento, que hoje está na Fundação Palmares, construído à custa de muito sacrifício, de muitos negros desse país. Frente a isso, gostaria de fazer algumas provocações”, disse o ativista.
Orlando Francisco acrescentou que, possivelmente, a Assembleia Legislativa e as Câmaras de Vereadores estão discutindo orçamentos, pois, segundo ele, “não se faz movimento político sem dinheiro”. Diante da afirmativa, o ativista questionou qual seria o orçamento da Assembleia Legislativa destinado à questões relacionadas aos Direitos Humanos.
“Qual o apontamento para essas questões? Porque o movimento está aqui presente. Muitas vezes temos que sair com pires nas mãos, pedindo para um e para outro, uma emenda parlamentar. Precisamos tratar isso como orçamento estatal, como um todo”, afirmou Orlando Francisco.
Rosângela Hilária, do Movimento Negro de Rondônia, disse que é preciso fortalecer a autoestima dos meninos e meninas negras. Segundo ela, os espaços têm que ser maiores.
É necessário ainda formar professores para conhecer e compartilhar mais sobre a causa e ainda criar políticas públicas que visem a independência financeira dos Movimentos.
A professora Raimunda Erineide Rodrigues Pinheiro, mestre em linguística africanista, moradora e líder da Comunidade Quilombola de Pedras Negras, do Vale do Guaporé, destacou que quando se fala em movimento negro, se fala de uma luta racial continuada e de extrema importância.
“Eu queria defender aqui, a valorização dos povos locais, dos povos regionais, daquele que mora na comunidade, que mora no quilombo, para que sejam valorizados e lembrados em testes de seleção e concursos, pois conhecem a realidade local, conhecem a luta dos seus povos. Estamos aqui sempre defendendo direitos já adquiridos que, por serem direitos, precisam ser apenas cumpridos”, disse.
A presidente da Federação dos Cultos Afro Religiosos, Umbanda e Ameríndios do Estado de Rondônia, Ana Carla da Costa, comentou sobre a honra de ser convidada para a solenidade e da importância da oportunidade para a sua comunidade.
“Estou concluindo minha gestão, mas me sinto orgulhosa por ter conquistado e ter estado aqui nesta data, pois, até o momento, nossa comunidade nunca viveu isso, de sermos recebidos com respeito e com igualdade. Isso é uma conquista da qual já estamos batalhando há muitos anos, há décadas. Nossas casas são atacadas diariamente. Acredito que esse é o primeiro passo para grandes vitórias, porque se existe algo no que acredito é nos orixás, é na força dos encantados. É isso que move a gente e a nossa fé”, declarou Ana Carla.
Antônio Neto, presidente do Conselho Regional contra a Desigualdade Racial, explicou que pessoas brancas também são homenageadas porque defendem a causa. Ele informou ainda que o Conselho vem lutando para exigir cotas em estágios para jovens negros e também cobrando várias outras conquistas que não vêm sendo respeitadas.
A Reitora da UNIR, Marcele Regina Pereira, agradeceu a oportunidade de participar de um evento numa tarde “tão rica e acolhedora”. “Nós sabemos bem do tamanho da luta e dos desafios que enfrentamos diariamente por políticas públicas mais eficazes para diminuir as diferenças raciais, esses grandes desníveis da nossa sociedade. Isso faz com que de alguma forma tenhamos a responsabilidade de nos reunir constantemente para que este lapso temporal seja vencido. Hoje temos apenas nove reitores negros nas Universidades Federais, mas a nossa luta é constante. Vamos vencendo barreiras e ocupando espaços. Esse fato de estarmos aqui hoje, sendo homenageados, reconhecidos, é uma grande vitória, mas precisamos e queremos muito mais. Precisamos de orçamento para políticas públicas de igualdade racial. E é por isso que estamos aqui, todos os dias, em busca de uma sociedade realmente justa”, disse.
Convida especial para a solenidade, a reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia, Joana Angélica Guimarães da Luz, iniciou sua fala agradecendo o povo rondoniense pelo acolhimento, o carinho e o calor humano recebido desde o primeiro momento em que desceu no aeroporto de Porto Velho. A reitora complementou as falas anteriores destacando a construção do conhecimento da chegada do povo negro nas universidades, após a instituição da Lei de Cotas.
“Foi uma lei que ampliou o número de pessoas negras nas nossas universidades e em outros espaços, a exemplo dos concursos públicos, aliás, espaços que estamos sempre trabalhando para melhorar e aprimorar cada vez mais. A chegada das pessoas negras nestas instituições de ensino não pode ser apenas um espaço de inclusão. Não se trata apenas de trazer para estas pessoas aquilo que temos como verdade e conhecimento, mas de torná-los protagonistas do conhecimento também. Acho que esse é um papel fundamental que as universidades precisam reconhecer. Que tenhamos nesse povo um exemplo a seguir, no ponto de vista de conhecimento, pois sabemos muitos sobre o povo negro, o indígena, e isso precisa ser incorporado nas nossas instituições. Não queremos chegar na universidade, construir o conhecimento e manter a sociedade como ela está e como ela sempre foi. Nós queremos fazer a diferença, mudar essa sociedade, avançar, e não precisar ter uma mulher como eu, que foi eleita reitora de uma universidade e isso ser notícia por se tratar da mulher negra, eleita de uma universidade. Eu gostaria que isso não fosse notícia, mas sim, que fosse algo que fizesse parte do cotidiano do nosso país”, completou Joana.
A procuradora do Ministério Público Federal em Rondônia, Gisele Dias de Oliveira Bleggi Cunha, disse que as pessoas não podem mais ficar em cima do muro. De acordo com ela, tem que se posicionar para ajudar a causa. Ela disse que algumas autoridades dos poderes constituídos ainda não tratam o tema com a importância necessária e cobrou para que todos sejam mais sensíveis à causa. Citou ainda a disparada dos casos de racismo em alguns estados, observando que ainda há muito por fazer nessa busca de igualdade racial.
“Direitos a gente não ganha, direitos são conquistados, com muita luta, muita batalha, muitas vezes com derramamento de sangue. Estamos evoluindo nas conquistas. Temos algum melhoramento no que diz respeito a leis, mas muitas vezes essas leis não são aplicadas. No Brasil existe uma cultura de ocupação pela elite dominante, que faz de tudo para se sustentar no poder, no comando de tudo, mas felizmente, cada vez mais as conquistas das minorias vêm acontecendo, os espaços sendo ocupados, através das lutas, através da atuação, através da educação. Chega de ficar em cima do muro, chega de políticas de meio termo. Ou você é antirracista, se manifesta e se posiciona, ou você está do outro lado. Precisamos que todos os poderes sejam mais sensíveis e dêem importância”, disse a promotora.
Oportunizando a palavra aos homenageados, o presidente da sessão Solene, Deputado Lazinho abriu inscrição para quatro representantes dos laureados que falaram da emoção de receber o voto de louvor e da continuidade da luta.
Niedja Virgínia Felix de Santana, uma das homenageadas, afirmou que a religião afro contribuiu, expressivamente, no desenvolvimento dos dons e da comunicação. “Além de agradecer a homenagem, gostaria de deixar como um pedido, para que cada pessoa que está aqui, saiba da responsabilidade de levar à diante o caminho que muitos outros vêm trilhando há tempos atrás, derramando seu sangue, seu suor e sua lágrima. Caminhamos até aqui, avançamos, mas ainda temos muito mais a conquistar. Gerações que estão vindo por aí, precisam da nossa luta”, declarou.
Também homenageado com o Voto de Louvor, Alécio Valois Pereira de Araújo, contou que, após se tornar órfão na cidade de Queimados (RJ), foi acolhido pela mãe Pinchinha, oportunidade em que adentrou no universo afro religioso. “Posteriormente, fui para o Orfanato Frei Luís, em Jacarepaguá (RJ). Ao sair de lá, aos 18 anos, voltei para o Candomblé. Essa minha trajetória se mistura muito com as minhas experiências, como órfão, que me fez decidir ser professor de favelados como eu, de camponeses, depois vim para Rondônia, trabalhei em assentamentos, morei povos indígenas, enfim. Minha trajetória se deve a essa religião que acolhe a todos, e sou muito agradecido por isso”, disse Alécio.
O defensor público e professor universitário, Fábio Roberto de Oliveira Santos, mais um dos agraciados com o Voto de Louvor, contou ter vindo da Bahia e disse ter construído, em Rondônia, amigos e pontes. “Estar nessa tarde, nessa Casa Legislativa, com pessoas amigas, guerreiras, que choram e que sorriem, que buscam um mundo melhor. O que queremos é amar e ser amado, respeitar e ser respeitado, queremos resistir, lutar, acreditar, vencer e nos unir. O poder, normalmente, busca a segregação e a divisão social. E cada um de nós, do movimento social, as instituições constituídas, que buscam a defesa dos vulneráveis e a consolidação dos direitos, precisamos estar próximos uns dos outros, de mãos dadas. E assim, conseguiremos manter a história do nosso país, de forma unificada. O racismo e a discriminação acontecem de várias formas, às vezes sútil, outras declaradas, escancaradas, viram um câncer na nossa sociedade, e cabe à gente, resistir”, declarou Santos.
Angilene Gomes Balbino, também homenageada com o Voto de Louvor, agradeceu ao deputado Lazinho da Fetagro e à Assembleia Legislativa pela oportunidade e pelo reconhecimento. “Por outro lado, também quero deixar registrada minha profunda tristeza pela aprovação do PL que muda o zoneamento da área que afeta minha comunidade. Desejo também falar que o município de São Miguel do Guaporé, onde está localizado o Quilombo de Jesus, é o primeiro município a abrir um processo seletivo, dentro da Normativa nº8, do MEC, que regulariza a modalidade de educação quilombola”, ressaltou Angilene.
Marilsa Santana dos Santos, mais conhecida por Negra Mari, mais uma representante do movimento agraciada com o Voto de Louvor, encerrou os pronunciamentos citando um trecho do texto da norte-americana de descendência caribenha, escritora, feminista e ativista dos direitos civis e homossexuais, Audre Lorde.
“Para aquelas de nós que foram marcadas pelo medo como uma linha tênue no meio de nossas testas aprendendo a ter medo com o leite de nossas mães pois por essa arma essa ilusão de alguma segurança vindoura os marchantes esperavam nos calar. Para todas nós, este instante e esta glória. Não esperavam que sobrevivêssemos. E quando o sol nasce nós temos medo, ele pode não durar, quando o sol se põe, nós temos medo, ele pode não nascer pela manhã, quando estamos de barriga, cheia nós temos medo de indigestão, quando nossos estômagos estão vazios nós temos medo, nós podemos nunca mais comer novamente, quando somos amadas nós temos medo, o amor vai acabar, quando estamos sozinhas nós temos medo, o amor nunca vai voltar, e quando falamos nós temos medo, nossas palavras não serão ouvidas, nem bem-vindas, mas quando estamos em silêncio, nós ainda temos medo. Então é melhor falar, tendo em mente que não esperavam que sobrevivêssemos”, citou Negra Mari que acrescentou, “que nossa representatividade seja real, não apenas palco individual”, concluiu.
Fechando a solenidade, o deputado Lazinho da Fetagro disse que espera fazer outras homenagens desta natureza. Mas, segundo ele, é importante saber que os agraciados ainda lutam contra o racismo. O ideal, conforme destacou, seria que não houvesse mais racismo. “Mas são momentos que todos temos que enfrentar na busca dessa tão sonhada igualdade racial,” concluiu.
Homenageados
Francisco José Amaral dos Santos (Pai Francisco de Oxalá), Wagner Ricardo Vaz de Góes (Pai Wagner), Maria Edite do Nascimento (Mãe Edito do Risca), Elias Fernando Ribeiro (Mestre Xoroquinho), Odair Belarmino (Instrutor Kisuco), Ronildo Silva Soares (Instrutor Gato), Ednair Rodrigues do Nascimento, Angilene Gomes Balbino, Raimunda Erineide Rodrigues Pinheiro, Antonio Jesus Sousa Miranda (Neto), Alécio Valois Pereira Araújo, Arnaldo André de Brito, Francinete Pereira Silva, Valter Antonio Passos, Anderson Ferreira, Marilsa Santana dos Santos (Negra Mari), Edjales Benício de Brito, Leonilda Simão, Patrícia Aparecida Glória, Delson Fernando Barcelos Xavier, Uilian Nogueira Lima, Fabio Roberto de Oliveira Santos, Rosângela Aparecida Hilário, Helionice de Moura Silva Araújo, Gisele Dias de Olibeira Bleggi Cunha, Niedja Virgínia Felix de Santana, Robinson Percy Holder, Angelita Farias Barboza Nogueira, Ana Maura Ramos Martins, Mara Valverde Oliveira Araújo, Joana Angélica Guimarães da Luz.
Texto: Jocenir Sérgio Santanna, Juliana Martins e Antônio Pessoa/ALE-RO
Fotos: Thyago Lorentz/ALE-RO