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Jaru, 29 de março de 2024

Crianças abandonadas ou vítimas de violência sonham em ter família

AMOR INFINITO

 

Moisés estava em uma cama elástica. As perninhas tremiam. Ele parecia estar apavorado e segurava as mãos de uma educadora para não cair. Raína observava a situação à distância, ela tinha ido ao abrigo de menores participar de uma festa justamente para tentar identificar um possível afilhado.

 

 

Primeiro encontro 

 

 

Raína e o marido Paulo estavam inscritos em um programa de apadrinhamento de crianças em situação de vulnerabilidade. Ao ver o menino se mostrando indefeso diante daquela situação Raína se aproximou e falou para a educadora:

 

– Posso segurar as mãozinhas dele?

 

Moisés era bem pequenininho, Raína sabia que menores de 07 anos só participavam do programa se tinham alguma necessidade especial ou doença grave. A educadora, chamada Fabi, olhou nos olhos dela e disse:

 

– Claro!

 

Raína segurou as mãos da criança e perguntou para a educadora o nome dele. Ela respondeu que se chamava Moisés. Raína o chamou pelo nome 03 vezes, mas ele não olhou. Ficou observando o menino por alguns instantes e perguntou para Fabi se ele era autista. A educadora disse que havia uma desconfiança e que um neurologista estava acompanhando o caso.

 

Ela ficou pensativa ao mesmo tempo em que percebeu Moisés olhando no fundo dos olhos dela. Como que hipnotizada pela inocência do garoto, Raína entrou na cama elástica, abraçou Moisés e sentiu que a partir daquele dia sua vida mudaria para sempre.

 

Após definir que seria madrinha de Moises, Raína ficou sabendo que ele tinha 04 anos e mais dois irmãos, Luiz Davi (3 anos) e Samuel (05 anos), que também estavam no abrigo. Raína e o marido decidiram então apadrinhar os três irmãos. O amor entre o casal e as crianças superou todas as barreiras e em menos de um ano eles conseguiram do Juizado da Infância a guarda definitiva dos 03 irmãos.

 

 

Samuel, Luiz Davi e Moisés 

 

 

 

Casal Raína e Paulo junto com os irmãos Samuel, Luiz Davi e Moisés 

 

 

 

PROJETO

 

O enredo de cinema do casal de advogados Raína e Paulo é um dos exemplos bonitos de uma iniciativa que poderia ter como protagonistas outros tantos casais que já passaram por situações parecidas no projeto “Apadrinhando uma História”.

 

A iniciativa do Ministério Público e do Tribunal de Justiça que tem a parceria da prefeitura começou meio tímida há quase 05 anos e já se pensa em ampliação, tamanho o sucesso que o programa tem alcançado. O promotor Marcos Tessila, que é considerado o criador do Apadrinhando, diz que todos os envolvidos tem participação importante no projeto.

 

 

Marcos Tessila promotor da Vara da Infância e Juventude

 

 

Sozinho eu não faria nada. Existe uma rede de solidariedade e envolvimento que torna o Apadrinhando um programa eficiente que primeiro procura proteger quem está vulnerável e, na sequência, se preocupa em inserir, de alguma forma, as vítimas ao convívio social e digno”, esclarece Tessila ao falar emocionado sobre o programa.

 

Ele procura deixar claro também que o ‘Apadrinhando Uma História’ não é um projeto para adoção embora nada impeça que isso possa vir a ocorrer. O programa é dividido em três módulos: Afetivo, Prestador de Serviço e Provedor. As pessoas que querem ajudar é que escolhem de que forma vão se envolver no programa.

 

Na opção afetiva, o voluntário pode apadrinhar uma criança apenas fazendo visitas em abrigos ou levando para passear em fins de semana e até mesmo fazer viagens dependendo do grau de afinidade que houver. No caso da prestação de serviço, profissionais como médicos, dentistas, psicólogos, advogados entre outros usam de suas qualificações para auxiliar no que for preciso.

 

No caso dos provedores, eles são a única opção que permite a ajuda sem necessidade de contato com os menores. No cadastro do programa existem voluntários que ajudam as crianças com roupas, calçados, alimentos, material escolar e também pagam cursos profissionalizantes com a condição de que seus nomes sejam mantidos em sigilo.

 

 

MULTIDICIPLINAR

 

O Creas (Centro de Referência Especializado da Assistência Social) é o órgão da prefeitura que dá suporte ao Apadrinhando uma História. Tanto as crianças como os voluntários ou interessados em possíveis apadrinhamento e adoção são obrigados a passar por entrevistas e receber visitas de psicólogos, assistentes sociais e educadores.

 

São eles que fazem uma espécie de triagem das pessoas que procuram o programa. Nos casos de candidatos a padrinho, os interessados precisam passar por um curso que tem duração de dois dias. No curso, é avaliado o perfil da pessoa até mesmo para que seja permitido apenas o contato visual com as crianças dos abrigos.

 

Em Porto Velho, existem 04 abrigos. Um onde estão crianças menores de 03 anos e o restante com internos que podem ter até 18 anos incompletos. A psicóloga Landa Monteiro e a assistente social Rejane Souza dizem que as avaliações dos candidatos são fundamentais até mesmo para permitir uma provável convivência que pode se transformar em adoção.

 

 

Suelen Soares – coordenadora do Apadrinhando uma História, junto com Landa Monteiro(psicologa) e Rejane Souza(assistente social)

As duas profissionais afirmam que em 99% dos casos o juiz tem acatado a sugestão da equipe técnica justamente pelo critério rigoroso de avaliação. Suelen Soares, coordenadora do projeto Apadrinhando uma História, acompanha de perto as atualizações do programa para garantir que não haja falta de suporte em nenhum dos 03 modelos de auxílio.

Ela diz que atualmente existem 40 candidatos na fila de espera do apadrinhamento e 20 crianças disponíveis. O tempo médio para aprovação do contato entre padrinho e apadrinhado é de 06 meses. Suelen explica ainda que o programa conta atualmente com 15 prestadores de serviço e 20 provedores.

O número de voluntários é ainda considerado pequeno se for levado em conta a grande demanda que aparece. Suelen diz que quem quiser ser um parceiro do Apadrinhando uma História pode entrar em contato pelos telefones 3222-8192 ou 98473 5966.

 

PRESTADOR DE SERVIÇO

Em 2014, um colega da psicóloga Janaína Sampaio, que trabalhava na Seas (Secretaria Estadual de Assistência Social), pediu ajuda para atender um adolescente que estava tendo problemas de comportamento.

 

Janaína Sampaio – psicologa

 

 

Janaína atendeu o jovem e teve contato com uma realidade que, até então, ela desconhecia. Descobriu crianças e adolescentes com histórias de exclusão, preconceito e abandono. Decidiu que precisava fazer alguma coisa. E fez. Janaína é prestadora de serviço e uma vez por semana usa seu conhecimento e qualificação no auxílio aos internos dos abrigos.

 

É enorme a satisfação em ser Madrinha, prestadora de serviços do projeto Apadrinhando uma História. Através do meu trabalho como psicóloga voluntária posso oportunizar as crianças que estão nas unidades acolhedoras, um espaço de escuta da sua singularidade, de reencontro consigo mesmo e ressignificação de histórias marcadas pelo abandono afetivo”, diz ela emocionada ao se referir ao projeto.

 

Janaína esclarece ainda que tem visto, na prática, que as pessoas podem sim, de alguma maneira, fazer a diferença na vida dessas crianças e adolescentes vítimas de todo o tipo de abuso, proporcionando um alento, uma perspectiva nova. Ela diz que nos últimos dois anos já pode observar que as crianças abraçadas por novas famílias, reescrevem suas histórias de vida com mais proteção, cuidado e muito afeto.

 

 

ME SENTIA UM EXCLUÍDO

 

Minha roupa para ir na escola era a mesma a semana inteira. O calçado, já desbotado pelo tempo, era usado até o momento que o sapateiro não conseguia mais consertar. Nunca me incomodei com isso mas senti na pele a rejeição, a exclusão. Alunos mais abastados se afastavam ou evitam andar comigo. Passei por isso apenas por ser pobre então você imagina o quanto sofre uma criança que tem o agravante da violência e do abuso”.

 

O relato é de um empresário, que também é provedor e prestador de serviço, e pediu para não ser identificado. O depoimento dele é de quem passou por muitas dificuldades e fez uma promessa de que o dia que tivesse bem de vida ajudaria, de alguma forma, crianças que passam situações difíceis.

 

O empresário diz que para ele, mais importante do que a ajuda financeira é a chance de passar um ofício, uma qualificação para quem tem toda uma vida pela frente. “Cada um pode fazer sua própria história deixando no passado tudo aquilo que não traz boas lembranças”, finaliza.

 

 

FAMÍLIA ACOLHEDORA

 

Este outro projeto é destinado a crianças e adolescentes afastados do ambiente familiar por medida protetiva. Os menores são retirados de seus lares provisoriamente e a cada 90 dias uma equipe técnica faz uma avaliação das famílias dos envolvidos para ver se eles já podem retornar para casa. Não é um programa de adoção e os interessados em ajudar já são informados logo no momento do cadastro.

 

Vanuza Marchioli, coordenadora do Família Acolhedora, diz que nesse projeto primeiro é feito um cadastro das famílias interessadas. Após a análise do perfil e a consequente aprovação da capacitação ao programa é feito um curso com os selecionados. Na sequência, vem uma visita familiar e depois um estágio de convivência de 03 meses onde o menor já frequenta a casa do seu acolhedor.

 

 

Vanuza Marchioli – coordenadora do serviço Família Acolhedora

 

 

Não há um limite para os menores ficarem sob a guarda dos acolhedores, isso depende do tempo que a justiça manter a proteção ao menor.  Um outro diferencial desse programa é que as famílias recebem uma ajuda de custo mensal no valor de um salário mínimo.

 

Vanuza explica que o valor é para manutenção e garantia do bem estar da criança. O dinheiro não pode servir como complemento de renda e se a Família Acolhedora não quiser o valor a quantia é depositada em uma poupança judicial para a criança. Atualmente, 70 menores estão afastados do ambiente familiar por ordem da justiça.

 

No ano passado, foi aprovada na Câmara de Vereadores de Porto Velho, uma lei municipal de acolhimento familiar que garante recursos e logística para a manutenção do programa. Todo o gerenciamento é feito pelo Departamento de Proteção Social Especial da Secretaria Municipal de Assistência Social e da Família.

 

Vanuza informa que hoje apenas 04 famílias estão habilitadas e já há um trabalho da secretaria no sentido de ampliar a divulgação do programa para receber novos acolhedores. Quem quiser participar pode entrar em contato pelos telefones 3901.3233 – 0800.647.1311 ou pelo celular 98473.6021. Tem também o e-mail: famí[email protected]


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