Na metade da década de 1990, a Apple se aventurou na indústria de videogames ao criar o Pippin: um console com ambições de se tornar uma central de entretenimento num mundo onde a Internet ainda engatinhava. Com uma série de decisões erradas, que vão da forma como a Apple planejou o preço do Pippin, ao relacionamento com desenvolvedores e a promessa de recursos ambiciosos demais para a época, o aparelho é uma das raras histórias de fracasso da companhia da maçã.
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Para entender o plano por trás do Pippin, é preciso considerar o momento em que a empresa atravessava. Na época, a Apple sofria com quedas nas vendas de seus computadores e insucessos enfileirados de uma série de produtos que prometiam ser inovadores, como o computador portátil Newton.
A reação da Apple para não perder relevância foi criar um modelo batizado de clonagem: o sistema Mac começaria a ser licenciado para outros fabricantes de computadores. A empresa tentava simular o sucesso que a Microsoft vinha colhendo com o Windows embarcado em computadores mais baratos. O Pippin é um fruto dessa ideia.
Dessa forma, o plano da Apple era desenvolver tecnologia e licenciar o Pippin para outros fabricantes. O principal deles foi a Bandai, empresa japonesa que na época começava a extrapolar o mundo dos brinquedos. Ela fabricaria e distribuiria o videogame pelo mundo, a Apple receberia royalties e garantiria tecnologia e jogos para o Pippin.
Espera! O Pippin era um computador?
Nesta parte as informações começam a ficar turvas. Embora tivesse jeitão de videogame, com controles e tudo mais, o Pippin era um computador de respeito: tinha drive de CD de quatro velocidades, processador PowerPC da IBM de 66 MHz, tinha placa gráfica capaz de exibir 16 bits de cores e um modem de Internet embutido.
Entre os acessórios, o Pippin aceitava mouse e teclado e rodava um sistema operacional derivado do Mac da época. O próprio nome do aparelho reflete uma variedade de maçã, semelhante à MacIntosh escolhida para batizar o sistema operacional da Apple na época.
O Pippin, anunciado em dezembro de 1994, era, portanto, muito mais poderoso do que qualquer console disponível no mercado no momento. Continuaria sendo o caso, quando alguns dias depois, a Sony lançava o PlayStation. Mesmo o Nintendo 64 teria dificuldade de bater o Pippin.
O que deu errado?
Algumas coisas não saíram como o previsto. Primeiro, o modem de Internet escolhido tinha que ser barato, o que acabou apontando uma unidade que era muito lenta, até mesmo para os padrões da época, atingindo 14.400 Kbps (kylobites por segundo).
Outra falha inacreditável de design foi ter presumido que os usuários navegariam na Internet usando o televisor. Aparelhos de TV da época, com tubo, tinham resolução baixa demais, o que tornava a navegação difícil já que os conteúdos da Internet, que ainda nascia, ficavam ilegíveis.
Outros problemas surgiram em virtude do modo adotado pela Apple para promover o produto. Os custos de marketing foram todos absorvidos pela Bandai, que gastou estimados US$ 90 milhões na tarefa de promover o Pippin pelo mundo.
Para muita gente essa estratégia causou ainda mais confusão, já que o produto não foi exposto aos consumidores como um concorrente viável e atrativo dos consoles de Sony, Nintendo e Sega, mas sim algo que tentava ser muitas coisas ao mesmo tempo, falhando em ser bem sucedido em qualquer uma delas. E todos esses problemas não tocam no mais grave deles: a falta de jogos.
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E os jogos?
O Pippin teve produção encerrada em 1997, quando Steve Jobs retornou à Apple e encerrou todos os produtos clones. Nessa altura, o console tinha uma escassa biblioteca de apenas 25 games. A maioria dos quais eram títulos educacionais ou produções que aproveitavam o licenciamento de propriedades da Bandai, como Dragon Ball Z.
Em geral, os games que deveriam tirar proveito do hardware mais poderoso, acabaram sendo outro defeito do Pippin. Os jogos eram ruins graficamente e ficavam bastante atrás do que os concorrentes já estavam oferecendo ao consumidor.
Em revistas da época, grandes desenvolvedores explicavam que a Bandai não oferecia o mesmo suporte que os concorrentes na relação com desenvolvedores. Além disso, falhas na comunicação fizeram com que quem deveria criar games para a plataforma tivesse dificuldades de compreendê-la e enxergar suas vantagens. Literalmente um console sem jogos, o Pippin falhou em atrair a atenção de outros desenvolvedores de games e a falta de uma biblioteca variada de títulos foi o fim das ambições do console da Apple.
Criadores de Halo e Destiny apostaram no Pippin
Um rodapé na trajetória de fracasso do console da Apple é a participação de um estúdio até então desconhecido, chamado Bungie.
O grupo, que viria a desenvolver Halo e Destiny anos depois, levou para o Pippin o jogo de tiro Marathon, que era exclusivo de sucesso do Mac. Anos mais tarde, em uma das conferências MacWorld de Steve Jobs, a Bungie chegaria a anunciar Halo como exclusivo do Mac, antes de ser adquirida pela Microsoft e levar a saga de Master Chief para o Xbox.
O fracasso
As estimativas da Apple e Bandai para o primeiro ano de vendas do Pippin eram bem ambiciosas: para o mercado norte-americano, a previsão era de vender 300 mil unidades, a US$ 600 cada. Para comparação, o também nascente PlayStation, que tomaria controle do mercado em pouco tempo com uma vasta coleção de jogos, chegaria ao mercado por US$ 300.
Números oficiais que dão uma ideia do tamanho da tragédia são difíceis de se conseguir, mas as estimativas mais aceitas apontam para um total de apenas 42 mil consoles comercializados, um número que fica muito longe da meta ambiciosa da Bandai para o primeiro ano do produto.
Em 1997, com o fim dos clones do Mac, o Pippin seria abandonado pela Apple e sua fabricação interrompida pela Bandai que, aliás, ainda ofereceu suporte ao sistema até o ano de 2002.