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Jaru, 23 de novembro de 2024

Avon demite mulher que manteve idosa em estado análogo à escravidão

Uma senhora de 61 anos foi resgatada em uma casa em Alto de Pinheiros, bairro nobre na região oeste de São Paulo. Ela vivia em situação análoga à escravidão e teria sido abandonada no imóvel depois que os patrões se mudaram.

A moradora da casa, Mariah Corazza Üstündag, de 29 anos, foi presa em flagrante na última quinta-feira (18), e foi solta depois de pagar fiança de R$ 2,1 mil. Seu marido, Dora Üstündag, 36, também foi indiciado pela Polícia Civil, de acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT) de São Paulo

Mariah é filha da cosmetóloga Sônia Corazza, conhecida consultora na indústria de produtos de beleza e constava em seu LinkedIn o cargo de Business Manager da Avon.

À Marie Claire a empresa de cosméticos Avon, enviou um comunicado e informou que demitiu a empresária e reforçou o compromisso com os direitos humanos: “Com grande pesar, a Avon tomou conhecimento de denúncias de violações dos direitos humanos por um de seus colaboradores. Diante dos fatos noticiados, reforçamos nosso compromisso irrestrito com a defesa dos direitos humanos, a transparência e a ética, valores que permeiam nossa história há mais de 130 anos. Informamos que a funcionária não integra mais o quadro de colaboradores da companhia. A Avon está se mobilizando para prestar o acolhimento à vítima”.

Mariah excluiu seus perfis nas redes sociais. No LinkedIn ela informa ainda que estudou na Universidade de São Paulo (USP). Já Sônia, mantém o Instagram privado e, procurada por Marie Claire afirma que “toda a resposta será dada em âmbito judicial por meio dos advogados”.

Mulher de 61 anos em situação análoga à escravidão é resgatada em São Paulo (Foto: Divulgação/MPT)
Mulher de 61 anos em situação análoga à escravidão é resgatada em São Paulo (Foto: Divulgação/MPT)

Ação cautelar contra empregadores
Após o regate da idosa, a procuradora Alline Pedrosa Oishi Delena, ajuizou uma ação cautelar contra Sônia, Mariah e Dora pedindo pagamento imediato do valor correspondente a um salário-mínimo por mês à vítima até o julgamento final do processo. Também determinou a liberação de três parcelas do seguro-desemprego para a vítima, assim como o bloqueio do imóvel para futuro pagamento de verbas trabalhistas e indenizações.

“Não faz sentido algum que após o resgate a vítima acabe numa situação ainda pior do que já estava, pois além de tudo, desabrigada, e vivendo da boa vontade de vizinhos”, comentou a procuradora, lembrando que no contexto da pandemia de Covid-19, o quadro se agrava, “pois é grupo de risco, e porque qualquer trabalho e meio de subsistência tornam-se muito mais difíceis de serem conseguidos nesta época. Dessa forma, precisamos garantir que as necessidades humanas básicas sejam disponibilizadas à trabalhadora, que se encontra em extrema vulnerabilidade, sem casa, sem comida, sem renda, dependendo exclusivamente da ajuda dos vizinhos do local”, explicou a promotora Alline.

Segundo a procuradora, o bloqueio de bens é necessário porque a doméstica é credora de verbas trabalhistas decorrentes de sua rescisão indireta em decorrência do resgate, bem como verbas não pagas no curso do contrato de trabalho, além de danos materiais em morais, tanto individuais como coletivos. “Em um cálculo inicial, esse valor pode chegar a mais de R$ 500 mil reais”, conta Alline

No âmbito criminal, Mariah e Dora foram indiciados por redução a condição análoga à de escravo, abandono de incapaz e omissão de socorro. Sônia só foi denunciada na ação trabalhista.

Mulher de 61 anos em situação análoga à escravidão é resgatada em São Paulo (Foto: Divulgação/MPT)
Mulher de 61 anos em situação análoga à escravidão é resgatada em São Paulo (Foto: Divulgação/MPT)

Entenda o caso
Contratada em 1998 por uma executiva do ramo de cosméticos, sem registro em carteira, sem férias ou 13º, nos primeiros anos a doméstica não morava no emprego. Mas em 2011, segundo depoimentos colhidos, a casa em que morava foi interditada e a patroa ofereceu para que ela fosse morar na casa de sua mãe, onde ficou cerca de cinco anos. De acordo com depoimentos, naquele mesmo ano a patroa passou a residir em outra cidade, mas manteve seus serviços para servir à uma das filhas que continuou na casa. A partir de então, a doméstica passou a receber cerca de 400 reais, esporadicamente, ainda que continuasse a realizar todos os serviços, exceto cozinhar.

Cerca de pouco mais de dois anos depois, a filha da patroa foi morar no exterior e uma outra filha e seu então namorado, atual marido, mudaram-se para a casa de Alto de Pinheiros, ficando responsáveis pelo pagamento do salário da doméstica, que passou a receber o valor de R$ 250, que lhe era pago em dinheiro, no início do mês.

De acordo com depoimentos, a doméstica trabalhava de segunda a sexta-feira na casa da patroa e, paralelamente, cuidava da casa da mãe da patroa, onde morava, fazia a limpeza e pagava as contas de água e luz da residência porque temia que fossem cortadas.

No ano de 2017, a casa da mãe da patroa foi vendida e a doméstica passou a morar no depósito no quintal da casa onde foi encontrada. Desde o decreto da pandemia, os patrões não permitiram mais a sua entrada na casa, tendo sido mantido trancado o quintal e o banheiro, impedindo que a vítima realizasse suas necessidades sanitárias. Para o banho, a idosa usava um balde e caneca. Segundo consta em depoimentos, em maio a doméstica sofreu um grave acidente de trabalho e não foi socorrida, tendo passado uma semana com dores e hematomas, sem receber alimento ou cuidados.

No dia 16 de junho, os empregadores mudaram-se para Cotia sem comunicar a vítima, que foi abandonada no quintal. Ao chegarem ao local no dia 18, uma equipe da Polícia Civil entrou na casa enquanto outra foi até o novo endereço dos patrões em Cotia (localizado via sistemas da polícia, já que nem um número de telefone, nem um endereço fora deixado com a empregada doméstica) buscar os responsáveis para resolver a situação.

Em seu depoimento, a moradora confirmou que a doméstica dormia, desde o ano de 2017, no cômodo destinado a depósito e que realmente não tinha conhecimento de como ela fazia para o usar o banheiro para necessidades e banho. Os réus negam a relação de emprego, alegando que no passado a vítima trabalhava esporadicamente, como diarista, mas que nos últimos anos não mais fazia trabalhos domésticos.

A proprietária do imóvel afirma que a vítima chegou a morar “de favor” na casa de sua mãe e que quando a casa foi vendida, por pena, a acolheu enquanto ela procurava por um lugar para onde eventualmente se mudaria. Após pagamento de fiança, a ré foi liberada. A proprietária da casa, assim como sua filha e o marido desta, os atuais moradores da residência, responderão por omissão de socorro, abandono de incapaz e por redução a condição análoga à de escravo.

Mulher de 61 anos em situação análoga à escravidão é resgatada em São Paulo (Foto: Divulgação/MPT     )
Mulher de 61 anos em situação análoga à escravidão é resgatada em São Paulo (Foto: Divulgação/MPT )


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