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Jaru, 28 de novembro de 2024

Aos 111 anos, aposentada diz que segredo para longevidade é ter paz: ‘peço a Deus pra não caducar’

A poltrona preta no canto da sala de casa em Rio das Pedras (SP) foi escolhida a dedo por dona Helena Pereira dos Santos. Acompanhada da neta, vagou por muitas lojas testando várias até encontrar a que queria ganhar de aniversário. No último novembro, completou 111 anos de uma vida que se resume em força, alegria, mas principalmente leveza e gratidão por mais de um século de experiências: “o segredo é ter paz”, explica com uma risada boa.

A carteira de identidade não mente. Dona Helena veio ao mundo na primeira década do século passado: 23/11/1908. Nasceu em Nova Itarana, na Bahia, e se a memória dela não falha, às 21h na zona rural nordestina.

Passou a vida inteira casada com um homem só, pra quem faz uma oração quando a saudade aperta um pouco pra Deus cuidar onde ele estiver. Colocou a aliança com 26 anos e não a tirou do dedo mesmo após a morte do marido há 16 anos. Viver bastante parece ser coisa de família: ele só partiu aos 103 anos.

Moradora de 111 anos de Rio das Pedras dá dicas de longevidade

Moradora de 111 anos de Rio das Pedras dá dicas de longevidade

Coração nordestino em São Paulo

A vida que dona Helena relata não tem muito mistério. Nasceu na fazenda onde a família trabalhava. Na vida nordestina, passou pelos mesmos serviços dos parentes, trabalhando na lavoura de mandioca, na “panhação” de café, e ainda fazendo uma das coisas que mais gosta: costurar.

“Gosto de costurar a roupa, e costuro a mão. Já costurei vestido pra noiva, vestido para as madrinhas”, exemplifica pra deixar claro o quanto é prendada na técnica.

Dona Helena com a família em Rio das Pedras, SP — Foto: Samantha Silva/G1

Dona Helena com a família em Rio das Pedras, SP — Foto: Samantha Silva/G1

Faz inclusive os próprios vestidos. “Teve uma vez que fomos comprar um pra ela usar, mas ela disse: ‘pra que? Já fiz o meu’”, conta uma das netas, Maria Aparecida dos Santos, a Cida. A personalidade forte de dona Helena ainda não deixa que ninguém escolha as roupas que vai usar além dela, revela.

Após perder o marido, resolveu mudar pro interior de São Paulo, onde uma das filhas e a neta estavam, porque gostou do lugar. Não se lembra o ano que mudou pra Rio das Pedras, só a idade que tinha, 107 anos.

“Aqui pra mim é mais fácil, você sabe por quê? Tinha que ir no médico [na Bahia], não tinha médico. Aqui a gente vai qualquer horinha, uma dorzinha que a gente sente no corpo e médico tem toda hora”, resume.

Dona Helena, de 111 anos, ao lado da filha Maria dos Santos em Rio das Pedras — Foto: Samantha Silva/G1

Dona Helena, de 111 anos, ao lado da filha Maria dos Santos em Rio das Pedras — Foto: Samantha Silva/G1

Dos cinco filhos que teve, apenas duas continuam vivas: uma que ficou na Bahia e Maria dos Santos, que mora com a mãe na mesma casa em Rio das Pedras. Veio para cuidar de um câncer no interior de São Paulo já que as dificuldades eram muitas na cidade baiana. Eles chegavam a pagar R$ 100 só para sair da zona rural e ir até um lugar onde tivessem um médico.

“A gente paga aluguel, mas vive bem”, resume Maria sobre a vida em Rio das Pedras. Da família, ainda soma 10 netos e 14 bisnetos.

A simplicidade da vida

Na cidade de pouco mais de 30 mil habitantes, a vida de dona Helena continua simples. Ela conta que gosta de caminhar pra ir ao mercado, “estirar a perna”. “Aqui a gente sai, anda. Gosto de fazer um exercício pro meu corpo, pra não estar ficando entrevada. Quando a gente fica parada demais, dá aquela dor, aquele cansaço de ficar quieto”, explica dando o ar de importância da atividade.

No Mercadão de Piracicaba (SP), cidade vizinha, dona Helena adora ir pra fazer a outra coisa que mais gosta: comprar alimentos, principalmente verduras. “Na Bahia, a gente só conseguia comprar verdura a cada oito dias”, explica a filha Maria. “Aqui ela sempre encontra ‘né’”.

Dona Helena compra ingredientes em mercadinho de Rio das Pedras pra receitas nordestinas — Foto: Samantha Silva/G1

Dona Helena compra ingredientes em mercadinho de Rio das Pedras pra receitas nordestinas — Foto: Samantha Silva/G1

Em Rio das Pedras, já é conhecida pelos moradores e, inclusive, os funcionários de um dos mercadinhos onde dona Helena pode matar a saudade do nordeste. É ali que ela encontra os ingredientes da região natal pra fazer algumas receitas típicas, como Cuscuz de Puba.

Pra comprar a farinha de mandioca, faz que nem aprendeu na Bahia: experimenta um “tiquinho” pra ver se está boa. O segredo da receita é simplesmente comprar farinha baiana, explica.

Nesse roteiro diário, quem vê dona Helena andando nos corredores custa a acreditar que ela já tem 111 anos. A baiana caminha sem apoio de ninguém, sai do carro sem precisar de nenhuma mãozinha, abaixa e levanta sem perder o equilíbrio, desce a rampa do supermercado “na carreira”, com passos tão ágeis como se não tivesse tantas décadas acumuladas no corpo.

Dona Helena ao lado da neta, Cida, fazendo compras em Rio das Pedras — Foto: Samantha Silva/G1

Dona Helena ao lado da neta, Cida, fazendo compras em Rio das Pedras — Foto: Samantha Silva/G1

A neta Cida conta que ela não tem problema nenhum de falta de saúde. Só tem um detalhe que ela precisa de atenção: a pressão alta que a faz ter que tomar um remédio regularmente.

“Eu me agradei muito daqui, só o clima que me dá uma tosse, quando é o tempo do frio, que eu fico tossindo”, conta dona Helena sobre a única dificuldade que diz ter de acostumar com a região.

Fora isso, dá só um trabalhinho pra família. “Toda vez que sente algo, uma dorzinha de cabeça, ela quer ir no médico”, conta Cida. Se é mania de aproveitar o que não tinha na Bahia ou prevenção, ninguém sabe, mas tirando as visitas médicas e o remedinho pra pressão, dona Helena só não deixa de tomar as vitaminas que não vive sem.

Bom humor, fé e muita paz

Dona Helena abre um sorriso largo enquanto segura um vestido no meio da sala de casa. De tecido preto com detalhes coloridos, ele é um dos muitos que ela costurou na vida. Após posar de modelo para as fotos, ela dá uma das inúmeras risadas que esboçou durante toda a entrevista e se mostra satisfeita com a atenção toda que recebeu:

“Eu estou velha assim, e o povo está tudo me adorando [risos]”, brinca.

Até ela tem dificuldades em definir qual o segredo de se viver tanto. Ela conta que já comeu muito feijão, que tem que comer bem pra ficar forte, dorme bem, faz um exercício. Alegria também é muito importante, cita dona Helena.

“O povo me pergunta como sou alegre com 111 anos. Eu agradeço pela vida, de estar semeando o mistério que Deus me deu.”

Se chegar tão longe na idade já é de se espantar, com a mente sã e a memória boa é ainda mais admirável. Ao ser questionada sobre o quanto ainda quer viver, dona Helena fala que espera ainda fazer muitos anos e comemorar todas as idades. Gosta de fazer festa no aniversário. “Fé em Deus pra pegar 112 anos”, planeja.

Dona Helena segura o vestido feito a mão na sala de casa em Rio das Pedras — Foto: Samantha Silva/G1

Dona Helena segura o vestido feito a mão na sala de casa em Rio das Pedras — Foto: Samantha Silva/G1

Sentir de verdade é outra coisa que a aposentada não abre mão. Não segurou as lágrimas de alegria por estar contando a história dela. Logo no começo da entrevista, o lencinho na mão enxugou a emoção do momento.

Para ela, enquanto a pessoa tiver paz, para viver, na hora de comer, na hora de beber o café, pra dormir, os anos de vida vão se esticando. “O segredo é ter paz, e acreditar em Deus, que ele cuida do princípio da vida até o fim, Ele ajuda”, resume.

Entre tantos agradecimentos e sorrisos, ela só tem um pedido para os dias que ainda terá de vida. “Só peço a Deus que não deixe eu caducar.”


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