Os jovens Eber Maciel da Costa e Marlos de Souza Cândido, acusados de participação nas mortes de cinco pessoas (José Bezerra dos Santos, Daniel Aciari, João Pereira Sobrinho, João Fernandes da Silva e Dagner Lemes Castanho) e pelas tentativas de homicídio contra outras duas (Ariovaldo Nunes da Silva e Arivaldo Bezerra dos Santos) crimes que aconteceram no dia 17 de outubro do ano passado, na Fazenda Vilhena, no episódio que se convencionou chamar de “chacina da farinheira”, foram inocentados ontem, após quase 14 horas de julgamento, no Fórum Desembargador Leal Fagundes, em Vilhena.
Sem qualquer prova de que os dois teriam efetivamente puxado os gatilhos, o Ministério Público buscou provar, com base em depoimentos de testemunhas, que os acusados concorreram para o crime ao auxiliarem o principal suspeito das execuções, Ilário Danelli, conhecido como “Índio Branco”, que está foragido.
O promotor João Paulo Lopes disse, com base nos autos, que após a reintegração de posse da Fazenda Vilhena, onde Eder e Marlos estavam juntamente com outras pessoas, o grupo acampou num sítio em frente a área da qual havia sido retirados. “Inconformados com a ordem judicial, eles acamparam a cerca de 300 metros da casa onde os crimes aconteceram”, disse Lopes.
Dois dias após a reintegração de posse, o dono da terra levou um grupo de pessoas para trabalhar na limpeza da área e refazer as cercas. O grupo foi dividido em dois, ficando quatro pessoas na casa do lote 85, e quatro na casa do lote 75, antiga sede da fazenda e onde ocorreu a chacina.
Durante a noite, os homens que estavam no lote 85 ouviram cachorros latindo próximo a casa, mas eles não tinham cães. Pela manhã, perceberam que o fornecimento de água para a casa havia sido interrompido. Ao averiguar a tubulação, encontraram o cano cortado deliberadamente. Sabedores da situação tensa por causa da reintegração de posse, os homens ficaram com medo e decidiram ir embora.
Na manhã do sábado, Daniel Aciari, que trabalhava na fazenda havia anos, saiu cedo para resolver alguns assuntos e não foi mais visto com vida. Seu corpo foi encontrado depois, no meio da mata, com um tiro na nuca.
Naquela mesma manhã, Índio Branco teria chegado ao acampamento onde Eder e Marlos estavam, e disse que já havia matado um e que até o final do dia executaria os outros. Para o promotor, ele falava de Daniel, que fora morto às margens da estrada e arrastado para o meio do mato.
Índio Branco teria tido que precisava ir até um sítio ali próximo para buscar armas e foi acompanhado de Eder, Marlos e outras três pessoas, usando motocicletas, segundo o Ministério Público.
No caminho encontraram Lafaiete, Valdecir e Claudio, que haviam ficado no lote 85 e estavam indo embora a pé. O grupo que estava de moto parou, Índio Branco desceu do veículo e bradou uma série de ameaças contra o trio. “Ele (Índio Branco) gritava que já havia matado um e que iriam matar os outros que estavam no lote 75”, disse os três ameaçados, quando foram ouvidos.
Lafaiete, Valdecir e Claudio disseram, ao prestar depoimento, que Índio estava armado no momento da abordagem e teria dito a eles que só não os tinha matado enquanto conferiam a tubulação porque não estava com uma arma de maior precisão. De acordo com os relatos do trio, Índio Branco e o grupo seguiram para o destino e cerca de 10 minutos depois retornaram com um saco de armas. “Eder e Marlos estavam com Índio Branco, ouviram as ameaças, ouviram ele dizer que já havia matado um e que iria matar os outros, e mesmo assim continuaram ao seu lado; o levaram até o sítio onde ele se apossou de outras armas com as quais, efetivamente, cumpriu as ameaças. Se isso não é concorrer para um crime, não sei mais o que é”, disse o promotor.
Lopes pediu a condenação dos réus por concorrência em três homicídios duplamente qualificados (motivo torpe e recurso que impossibilitou a defesa das vítimas), um triplamente qualificado (motivo torpe, recurso que impossibilitou a defesa da vítima e meio cruel) e duas tentativas de homicídios duplamente qualificadas (motivo torpe e recurso que impossibilitou a defesa das vítimas).
Passava das 16 horas quando a defesa iniciou sua fala. A primeira a falar foi a advogada do réu Eder, preso desde outubro do ano passado. Aisla Carvalho apontou falhas nas investigações, e enumerou diversas contradições das testemunhas de acusação, principalmente o reconhecimento errôneo da pessoa que os teria ameaçado. Por foto, eles apontaram que Pedro Arrigo seria o homem que os tinha ameaçado naquela manhã. Como Pedro Arrigo provou que estava no Mato Grosso do Sul naquele dia, eles voltaram atrás e identificaram Ilário Danelli. “Ora, é no testemunho destas pessoas que o promotor quer sustentar uma condenação?”, questionou Carvalho.
A advogada argumentou que Eder se apresentou voluntariamente para dar sua versão dos fatos, afinal, o nome dele estava sendo apontado como um dos suspeitos da maior barbaridade já cometida em Vilhena. “É só por isso que ele está aqui, porque se apresentou voluntariamente. Vocês acham que se ele fosse o executor de uma dos maiores crimes de Vilhena, iria se apresentar à polícia? Não há nada que o incrimine, o que o Ministério Público traz são as versões contraditórias de três testemunhas dissociadas do evento mortes”, argumentou Aisla em sua tese de negativa de autoria.
O réu Marlos não compareceu ao julgamento, mas foi representado pelo experiente advogado José Francisco Cândido, que também sustentou tese de negativa de autoria. Cândido citou mais de 20 testemunhas e nenhuma delas, segundo entendimento do defensor, trouxe qualquer coisa que incriminasse seu cliente.
O advogado também citou falhas no processo e voltou a lembrar as contradições nos depoimentos das testemunhas usadas pelo Ministério Público para pedir a condenação. “Num universo de mais de 20 testemunhas, escolher três para serem os arautos da verdade não dá”, disse Cândido, antes de questionar: “Qual o manifesto de Marlos de participar daquele fato horrível? Não há”, concluiu.
Houve réplica e tréplica nas durante as quais as partes refutaram afirmações contrárias e reforçaram as teses próprias. Por volta das 22h30, a juíza Liliane Pegoraro Bilharva leu os quesitos e foi para a sala secreta com os jurados para votação, que durou cerca de 22 minutos.
Às 22h52, quase 14 horas depois do início do julgamento, e juíza leu o veredito que inocentou os réus. Os jurados entenderam não haver provas suficientes para uma condenação. O Ministério Público irá analisar se entra com recurso.