Um novo levantamento feito pela Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), prevê aumento de até 20% na conta de energia devido às alterações feitas pelos parlamentares na medida provisória que trata da privatização da Eletrobras. Segundo o presidente da Abrece, Paulo Pedrosa, pelos novos cálculos da entidade, a privatização da estatal deverá resultar um aumento de R$ 20 bilhões por ano para os brasileiros.
“Estimamos efeito de 10% de aumento na tarifa para os consumidores regulados e de 20% para os livres”, afirmou Pedrosa, em entrevista ao Correio.
A Medida Provisória da privatização da Eletrobras, a MP 1.031/2021, está sendo apreciada pelo plenário da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (19/05), em sessão iniciada às 13h55. A oposição tenta obstruir a votação e retirar o tema da pauta, mas a base governista resiste e conseguiu derrubar os requerimentos. Mas, antes do texto principal, passaram a votar destaques de preferência e a votação avança noite adentro.
Críticas ao relatório
Uma das principais críticas de Pedrosa ao texto do relator, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), é a contratação obrigatória de usinas térmicas a gás e de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, porque será necessária a construção de infraestrutura de acesso, como gasodutos, o que deverá encarecer ainda mais a tarifa. Essa proposta é considerada um jabuti, ou seja, emenda não relacionada à matéria principal.
“A proposta obriga a contratação de uma energia mais cara do que a que poderia ser comprada no mercado livre por meio das eólicas, por exemplo. Isso será mais uma maldade para com o consumidor. Isso não é um modelo de competição, mas de reserva de mercado e de cota”, afirmou Pedrosa.
Ele reforça que, com a proposta, o custo da energia vai aumentar, apesar de o relator propor a modicidade tarifária por meio do encargo setorial Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) defendido pelo relator. “Os produtos que consomem muita energia no processo produtivo também ficarão mais caros para o brasileiro, como o vidro, o leite, a carne congelada, o aço e o cimento”, explicou o especialista, que considerou a proposta um retrocesso. Segundo Pedrosa, nos últimos leilões, o custo para a contratação de usinas eólicas acabou sendo um terço do custo previsto para as termelétricas a gás, abaixo de R$ 100 MWh.
Após críticas à obrigatoriedade para a contratação prévia de usinas a gás e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) pela União, Nascimento mudou o relatório. Ele retirou apenas o termo da “contratação prévia como condicionante” . As térmicas a gás precisam ser construídas nos estados onde não há suprimento de gás, o que, segundo especialistas, vai encarecer o custo da energia para o consumidor.
Parlamentares ainda contrários à inclusão da proposta lembraram que a proposta foi rejeitada na nova lei do gás, recentemente aprovada pelo Congresso. “Vamos substituir térmicas a óleo diesel que custam R$ 1.500 por MegaWatts/hora (MWh) por térmicas a gás que custam R$ 300 por MWh, ou seja, cinco vezes mais barata”, afirmou Nascimento, em entrevista ao Correio.
Houve outras controvérsias. Felipe Rigoni (PSB-ES), por exemplo, criticou o item da contratação de termelétricas a gás em áreas de difícil acesso, porque poderá aumentar o custo da energia porque o preço estipulado na MP, referente ao último leilão de 2019, está acima do valor atual do mercado. “Estamos forçando a contratar energia que vai aumentar demasiadamente o custo da energia”, afirmou.
O deputado Paulo Ganime (NOVO-RJ) foi um dos mais enfáticos ao criticar a obrigatoriedade da contratação de termelétricas a gás e PCHs, incluindo a construção de gasodutos. Segundo ele, trata-se de um “retrocesso” na proposta de privatização da Eletrobras. O deputado defendeu a volta do texto original da proposta. “Esse item é estranho à MP e trata-se de uma matéria vencida”, afirmou. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), rebateu e disse que “a matéria não era vencida segundo a assessoria da mesa” e manteve a sessão para votar o texto do relator defendido pela liderança do governo.
No início da sessão, o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) chegou a acusar Nascimento de conflito de interesses por ter se reunido com Carlos Suarez, representante da construtora OAS, uma das interessadas pela contratação de PCHs. O relator negou qualquer tipo de favorecimento em réplica ao questionamento e foi defendido pelos governistas.
Modelo de capitalização
A MP prevê a desestatização da Eletrobras por meio da capitalização, aumento de venda de ações, limitadas a 10% por acionista. União não poderá participar da operação e terá uma redução da sua participação para menos de de 61% para 45%, com direito à golden share — ação de classe especial que garante poder de veto nas decisões do conselho da companhia. O governo prevê arrecadar R$ 100 bilhões com a operação.
A privatização prevê, ainda, a renovação de contratos de concessão por 30 anos e a criação de uma nova estatal para administrar a subsidiárias que continuarão sob o controle da União: a Eletronuclear, controladora das usinas de Angra dos Reis (RJ), e a Itaipu Binacional e o relator prevê que 25% do lucro dessa nova empresa seja destinado para programas sociais. Os outros 75% para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Durante a leitura do parecer de 49 páginas, Nascimento disse que 90% das emendas acatadas por ele foram da oposição, incluindo benefícios aos trabalhadores, que poderão usar a indenização para comprar ações pelo valor de cinco dias antes da publicação da MP. Ele destacou que considerou “conveniente e oportuna a matéria, uma vez que permitirá a reestruturação da Eletrobras como empresa forte atuando no setor de energia”, apesar de reconhecer que a gestão recente da companhia melhorou o desempenho financeiro da estatal.
“Nos últimos anos, a participação da empresa no mercado tem caído gradativamente, resultado das limitações em sua capacidade de investimento. A gestão recente da empresa se mostrou eficiente e foi responsável por avanços e melhorias nos resultados financeiros. A redução de custos operacionais foi apontada por especialistas como um dos principais legados dessa administração bem-sucedida”, afirmou o relator.
Nascimento salientou, porém, que os esforços para sanear a empresa se exauriram. “Acreditamos que as melhorias de gestão obtidas chegaram ao limite possível dentro do cenário de manutenção da Eletrobras como empresa controlada pelo Estado. Entendemos que qualquer avanço dependerá de um processo exitoso de desestatização, permitindo a liberação de entraves legais que limitam as opções de gestão de empresas estatais”, acrescentou.
Reação da oposição
A deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) criticou o atropelo da tramitação da MP e apontou que os 8.000 MW que serão contratados por térmicas a gás e PCHs “equivalem a mais da metade da capacidade de Usina de Itaipu”. Ela apontou, ainda, que a iniciativa privada estará recebendo uma empresa lucrativa “de mãos beijadas” antes do fim do processo de amortização da Usina de Itaipu e afirmou que a empresa precisará ser reestatizada no futuro.
O vice-líder da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), defendeu o relator Elmar Nascimento. “Precisamos tratar os termos corretos com a verdade. Não existe privatização, porque a União continuará sendo a maior acionista, e essas novas ações que serão lançadas no mercado serão o mecanismo para que a empresa retome a sua capacidade de investimento”, afirmou, minimizando a questão do aumento da tarifa apontado por parlamentares e especialistas.
O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) rebateu Ramos. “Querem enganar o povo brasileiro. E vai haver aumento de energia e se calcula que deverá chegar a quase 20%”, reforçou. O também petista Arlindo Chinaglia (SP) também reforçou que o termo é privatização, porque a União terá 30% de ações estéreis e o controle ficará na mão da iniciativa privada. “Isso é privatização. Chamar de desestatização é enganar”, disse.