A falta de apoio nas delegacias tem sido um relato frequente entre mulheres vítimas de violência doméstica em Rondônia. Uma jovem de 25 anos contou que ao procurar a unidade policial para fazer o boletim de ocorrência, foi surpreendida com a frase de um policial. “Ele perguntou: mas não é só uma briga de família?“
Segundo a mulher, moradora de Porto Velho, o primeiro episódio da agressão familiar contra ela foi após a morte da avó. Na ocasião, houve uma proposta do filho da idosa para a jovem e o esposo morarem na casa pertencente a avó. A princípio seria uma ajuda mútua, onde o casal sairia do aluguel e em contrapartida cuidaria do imóvel.
No mesmo terreno da casa (onde ela passou a residir) mora também um tio, filho da idosa. Ele, segundo a vítima, não foi comunicado pelo outros irmãos da decisão que a família tomou na mudança do casal para o imóvel.
“No início ele não incomodou. Mas sempre deixou as cadelas soltas no quintal. Elas faziam muita sujeira e ele não limpava. No início meu esposo fazia esse trabalho. O tio também não alimentava os animais, o que me dava dó. Pegava dos meus cachorros para alimentar as dele”, conta.
O convívio e a falta de zelo por parte do tio começou a ser cada vez mais tenso, segundo relata a mulher. Um dia foi preciso conversar com o tio para sobre a necessidade de cuidar do terreno compartilhado pelas duas famílias.
“Pedi pra ele limpar a sujeira que as cadelas faziam. Ele respondeu que não faria nada. Daquele dia em diante começou a implicar comigo e com meu esposo. Sumia com as lâmpadas da área, pegava nossas coisas. Fazia piadinha com meu esposo só porque ele me ajuda com os afazeres da casa”, conta.
Por não conseguir conviver mais com o tio no mesmo terreno, a mulher conta que decidiu deixar a casa da avó e voltar a morar de aluguel.
O caso da agressão familiar aconteceu no dia que a vítima retornou à casa para embalar e encaixotar as coisas da mudança. Enquanto arrumava os objetos, ela percebeu que o transformador da central do ar-condicionado havia sumido.
“Meu tio, que estava na casa, onde mora, se aproximou e começou a me xingar. Minha irmã, que estava grávida falou pra ele devolver o meu transformador. Nessa hora ele mudou a fisionomia e foi pra cima dela para agredi-la, mas ele me acertou com o capacete. Bateu no meu rosto e ainda continuou me batendo. Toda a minha família foi lá pra casa e meu esposo me levou para a delegacia para registrar um boletim de ocorrência”.
Na delegacia, a mulher conta ter passado por momentos constrangedores, uma vez que o policial de plantão questionou a situação da violência doméstica.
“O pior foi chegar na delegacia, com o rosto inchado e o policial olhar pra mim e perguntar: ‘mas não foi só uma briga de família? Eu achei um absurdo. Tive que insistir para para fazer boletim de ocorrência. Ele [policial] disse que eu tinha que esperar para ir na delegacia da mulher, mas naquele dia a delegacia não funcionava porque era no fim de semana”, relembra.
“Eu questionei o policial: ‘O senhor quer que eu vá na segunda-feira na delegacia quando eu não tiver nenhum hematoma?” Ele disse: ‘Sim”.
A jovem conta que, até então, nunca havia sido agredida e esse episódio mudou todo o comportamento e a abalou emocionalmente e psicologicamente.
” Eu quero que meu agressor pague pelo que ele fez, eu nunca tinha apanhado de ninguém na minha vida. E isso me mudou. Agora tenho medo de andar sozinha, fico sempre desconfiada. Não sou a mesma. O pior foi não ter um apoio quando fui na delegacia, onde o policial quis minimizar minha dor“, desabafa.
Falta de capacitação no atendimento da vítima
Na Central de Polícia de Porto Velho, onde são registrados crimes em flagrante, há uma sala humanizada para receber vítimas de violência doméstica. Em horário comercial, acadêmicos de psicologia de uma faculdade particular realizaram atendimentos a algumas dessas mulheres.
Ao G1, uma das estudantes ressalta sobre a falta da capacitação dos policiais para o atendimento da vítima de violência.
“Não há empatia pela vítima. Muitas vezes não há separação no jeito de falar com o agressor e com a mulher que acabou de sofrer um trauma e está em uma delegacia para relatar todo o ocorrido”, pontua a academia que fez estágio no local”, diz.
O que alega o estado?
O G1 questionou a Sesdec sobre a falta de preparo de policiais no atendimento das vítima de violência doméstica.
Em resposta, a Secretaria de Segurança, Defesa e Cidadania (Sesdec) reconheceu não haver curso de capacitação de policiais para atendimento de vítimas de violência doméstica.
Ainda segundo a pasta, quatro servidores lotados recentemente são os únicos que receberam treinamento específico para atender mulher.