Vítima está no sexto mês de gestação e o agressor é o pai da criança. Filha adolescente da mulher também sofreu agressões físicas do ex-companheiro da mãe, em Ji-Paraná.
“Ele colocou uma arma na minha cabeça e falou que ia me matar, pois não queria filho”. Essa foi uma das várias cenas de terror vividas por uma mulher de 38 anos, grávida de seis meses, em um ciclo de violência praticado dentro de casa pelo ex-companheiro em Ji-Paraná (RO), região central do estado.
Em conversa com o G1, a gestante revelou que nem sua filha de 15 anos escapou das agressões. A adolescente, uma digital influencer, foi agredida com socos mesmo depois da mãe terminar a relação com o suspeito.
Preferindo não se identificar, por questão de segurança, a mulher de 38 anos conta que no início da relação o agressor se mostrou um homem dedicado e empenhado em fazê-la feliz e não media esforços para demostrar qualquer tipo de afeto em público.
“Ele é o tipo de homem que se você conhecer, consegue te conquistar. Ele mandava flores no meu trabalho e sempre dizia que me amava para meus amigos, que chegaram a estranhar quando eu disse quem realmente ele era e o que ele fazia comigo: pressão psicológica”, conta.
“Ninguém tem estrela na testa”
Na primeira vez que o ex-companheiro agrediu fisicamente a vítima, ela conta que ficou em choque e a ficha só caiu no dia seguinte, quando foi à delegacia. Mas antes da agressão física acontecer, a mulher diz que foi cercada por uma tortura psicológica.
“A primeira agressão que sofri foi a verbal. Foi quando comecei a ficar assustada. Ele dizia que tinha muito ciúmes de mim. Então quando meu celular tocava já era motivo de briga. Eu não podia ficar no WhastApp com uma amiga e nem sair com elas. Caso eu saísse, ele ia até o local que a gente estava para me ameaçar. Lá, ele pedia para eu ir para casa. Isso aconteceu até o dia em que ele me bateu“, lembra.
Quando a agressão partiu para o lado físico, a vítima disser ter sentido que, o então companheiro, a mataria. Para isso não acontecer, um vizinho precisou intervir. À época, o casal estava junto há cerca de um ano.
“Ele pegou uma faca e disse que ia me matar, mas que antes ia cortar meu cabelo,. Isso tudo enquanto pisava nas minhas costelas depois de ter me jogado no chão. Meu vizinho que me socorreu. Se ele não tivesse chegado, ele teria me matado”, relembra
A mulher lembra que o dia seguinte foi o momento mais desesperador, pois percebeu o que havia acontecido com ela.
“Fiquei muito assustada e com medo. Eu estava desesperada. Foi quando procurei a delegacia. Eu não conseguia falar. Eu chorava o tempo inteiro. Estava em estado de choque. Recebi o apoio na Delegacia da Mulher, mas estava com medo. Ninguém nunca tinha encostado em mim como ele fez. Até hoje tenho muito medo. A dor de quem apanha não tem como explicar“, diz.
“Ele colocou uma arma na minha cabeça”
Com idas e vindas, o relacionamento entre a vítima e o agressor durou cerca de quatro anos. Nesse meio tempo, ela engravidou e atualmente espera um filho dele. O que, segundo a mulher, aumentou a tensão entre os dois.
“No início ele ficou muito feliz, mas durou só uns 15 dias e aí ele pediu para eu abortar, mas recusei. Ele começou a me ameaçar. Pedi para ele ir embora e até falei que seria melhor assim, mas ele ficou”, conta.
Com a insistência do agressor em querer ficar perto da vítima, ela diz que a situação entre os dois piorou. Ela então descobriu uma das várias traições dele.
“Um dia pequei o celular dele e tinha mensagens de uma outra mulher. Ele estava me traindo. Foi quando conversei com ele e novamente pedi para ele ir embora, pois eu estava passando muito mal por conta da tribulação na gestação. Foi quando a gente cortou o vínculo e ele começou a sair, a beber e me afrontar”, recorda.
Por conta da pandemia e cumprindo as regras de segurança da Organização Mundial de Saúde (OMS), a vítima afirma estar passando mais tempo em casa. No entanto, o ambiente não é isento da presença do agressor.
“Ele passou em frente a minha casa e tacou uma garrafa de cerveja entre as grades do portão. A garrafa veio parar na minha porta. Eu estava aqui dentro, levei um susto. Fui ver o que era e vi ele entrando no carro e saindo em alta velocidade. Em outra situação ele me ameaçou, colocou uma arma na minha cabeça e falou que ia me matar e que não queria filho”, lembra angustiada.
“Agressão contra minha filha”
Ao G1, a vítima conta ainda que no final do mês passado, já separada do agressor, ele agrediu com soco no rosto e puxões de cabelo a filha dela, uma adolescente de 15 anos.
A mulher conta que a menina estava em uma lanchonete com amigos, quando o homem iniciou uma confusão e partiu para cima da menina.
“Quando ela chegou na lanchonete, ela mandou uma mensagem e disse que ele [agressor] estava lá. Eu pedi para ela não ficar lá. Parecia que eu estava sentido que algo ia acontecer. Vinte minutos depois, tudo já tinha acontecido. A briga e ele tinha batido na minha filha. Não aconteceu o pior, porque um amigo da minha filha conseguiu impedir que ele batesse e até matasse ela”, relata.
A filha da mulher, uma adolescente de 15 anos, levou um soco no rosto, golpe dado pelo ex-campanheiro da gestante — Foto: Instagram / reprodução
Depois da filha ter sido agredida, a mulher conta que a adolescente mudou e foi necessário a ajuda de um psicólogo.
“No início ela estava muito assustada, mas parece que ela ainda não caiu na real do ocorrido. Eu vejo minha filha e ela não é mais a mesma. A gente só vai ter paz quando ele responder um processo judicial”, diz a gestante.
Diante das agressões sofridas, a mulher conta que tem buscado junto a um advogado uma forma de segurança, mas teme pela vida dela, da mãe, e das filhas.
“Busquei por um advogado para ver a questão da minha medida protetiva. Eu sei que serei julgada por perdoar ele na primeira vez, mas eu preciso de ajuda. Tenho medo que ela faça algo pior”, pontua.
A mulher contou à reportagem que corre o risco de ter o parto prematuro devido a toda a situação vivida desde o início da gestação entre as agressões, o abandono e ameaças.
1º passo: Se identificar no ciclo da violência
Em conversa com o G1, a psicóloga Thaís Tudela, que faz o atendimento das vítimas de violência doméstica no Creas, explica que primeiramente a mulher precisa se ver como vítima das agressões e reconhecer que está em ciclo da violência. Situação que não é fácil. O outro passo, é buscar ajuda.
“Se identificar no ciclo da violência é bem difícil. A mulher passa a duvidar até mesmo da própria analise do relacionamento. Muitas passam a enxergar que estão no ciclo só quando elas buscam ajuda ou orientação com de alguma pessoa e começa a perceber o que está acontecendo no relacionamento dela. Momento em que ela vê que isso [agressões] estão sendo bem frequentes. Mas é tendo esse contato externo que ela, muitas das vezes, começa a perceber o que está acontecendo e passa a ver dentro do ciclo da violência”, pontua.
Ciclo da violência contra a mulher — Foto: Fernanda Garrafiel/ Arte G1
A psicóloga fez uma análise sobre a violência vivida pela mulher e adolescente, descrito nesta reportagem.
“Ela [mulher] está vivendo dentro do ciclo da violência, onde ela era a vítima e agora a filha dela também passou ser vítima. Da mesma forma que ele usa do ciclo para causar essa violência contra a esposa ele também está causando violência contra a própria enteada. A gente precisa ficar atendo em relação a isso, pôs essas relação já chegou em um ponto onde a gente consegue ver que existe a violência física, pois já existia uma violência psicológica”, ressalta.
Thais destaca a importância de a vítima de violência doméstica obter informações sobre o assunto, para se ter mais clareza do que se viver. Posteriormente buscar ajuda. Ela destaca a importância do acompanhamento com o psicólogo.
“São duas mulheres vivendo a violência doméstica através do mesmo agressor. Ela [mulher] precisa realmente tomar essa decisão de sair desse ciclo pedindo ajuda. É muito perigoso ela continuar nessa situação. É importante a ajuda psicológica para a filha dela, pois passou por essa situação. A mulher deve procurar informação, mas acima de tudo entender que é possível sair dessa relação. Ela vai conseguir enxergar a força dela e conseguir entender que nenhuma mulher precisa viver uma situação de violência”, finaliza.