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Jaru, 23 de outubro de 2024

‘Constante aprendizado em função dele’, dizem pais de autista em RO

O ano de 2005 foi difícil para o casal Michelle Zoghbi e Vagner Câmara, em Porto Velho. Fernando, filho do casal, tinha três anos à época e começou a apresentar comportamentos diferentes, que iniciou assim que ele completou 1 ano e meio de idade e deixou de falar. Com a descoberta, o casal conta que ficaram paralisados, sem saber a quem recorrer ou acreditar. Hoje, eles definem o autismo como “um mundo maravilhoso a ser descoberto”.

Os indícios começaram cedo. Com um ano e meio, Fernando já não queria falar, andar de mãos dadas ou atender um chamado dos pais caso não tivesse interesse. Aos três anos ficou agressivo, de fácil irritação. Dormia apenas 2h por dia.

A psicopedagoga Michele Zoghbi afirma que “ele deu o grito de socorro para avisar que havia algo nessa época”, lembra. As observações os levaram ao início da saga da descoberta deste novo mundo.

 Não tenho o filho que idealizei, mas tenho um filho. É um filho bom, generoso e carinhoso”
Michele Zoghbi, mãe de Fernando

Ele passou por dois neurologistas e uma psicóloga, que alertou sobre o autismo e orientou o casal para iniciar o tratamento. O diagnóstico definitivo veio três anos depois, mas a fase mais difícil já tinha sido deixada para trás.

O baque
Quando o casal recebeu o diagnóstico definitivo, no ano de 2008, Vagner e Michelle estavam longe de ser os pais que tentavam entender o que o acontecia com o filho de três anos de idade.

Michelle se chateava com as comparações entre Fernando e outras crianças da mesma idade, sonhava com o dia que ele acordaria diferente e cogitou a possibilidade de ele ser mimado. Até conhecer o autismo.

“Foi um ano de luto. Perdi o chão, não sabia o que fazer, por onde começar. Tinha idealizado um filho e aquele filho morreu. Até o dia que eu disse ‘chega’. Não tenho o filho que idealizei, mas tenho um filho. É um filho bom, generoso e carinhoso”, relembra.

Michelle (esq.), Fernando (ao meio) e Vagner (dir.) (Foto: Ísis Capistrano/ G1)
Michelle (esq.), Fernando (ao meio) e Vagner (dir.) (Foto: Ísis Capistrano/ G1)

O casal buscou informações e começou a adaptação. Michelle deixou a faculdade de administração por pedagogia. Vagner era gerente de rede em Tecnologia da Informação (TI) e trocou a profissão por um hobby antigo, a fotografia.

“Teve o processo de sofrimento e adaptação. Mas logo corremos atrás do tratamento com profissionais, fisioterapeutas e fonoaudiólogos. O diagnóstico precoce foi essencial. Tanto a família, quanto amigos, veem como ele desenvolveu com o tratamento ao longo dos anos”, diz Vagner Câmara.

Dificuldades e preconceitos
Hoje, Fernando estuda em casa, mas já passou por três escolas diferentes. Antes disso, os pais chegaram a passar dois anos sem conseguir matrícula, pois os colégios davam várias desculpas para a falta de preparo. “Nunca esqueço de uma diretora que pegou um monte de apostila, jogou na minha frente e perguntou o que meu filho iria aprender. Pedi licença e fui embora”, relata Michelle.

Michele, mãe de Fernando, sobre a dificuldade conseguir escola

Às vezes, o casal se depara com olhares tortos, especialmente quando Fernando está muito agitado. “As pessoas julgam como um menino mal criado”, diz Vagner. Atualmente, Michelle, que antes se incomodava com os olhares, diz que não liga mais. “Tem dias que ele gosta muita de balançar as mãozinhas e as pessoas ficam olhando. Antes eu ficava chateada, hoje eu não ligo. E se eu ver que a pessoa me deu um espaço, até falo sobre autismo”, pontua Michelle.

O incrível mundo à parte
Fernando tem 14 anos, gosta de ficar em grupos, faz questão de participar de reuniões, aniversários. A irritação fácil foi substituída pela generosidade e carinho sem tamanho.

“Ele é sensível. Mas atualmente não gosta quando se fala de autismo. Está passando pela fase de aceitação. Ele é nosso autista. O mundo dele faz parte do nosso mundo. Sofremos no início, mas a gente se adaptou. Estamos em constante aprendizado em função dele”, declara Michelle que hoje diz ter um filho muito melhor do que tudo aquilo que sonhou antes.

Fernando, autista de 14 anos, em Porto Velho, RO (Foto: Vagner Câmara/Arquivo Pessoal)
Fernando, autista de 14 anos, em Porto Velho, RO (Foto: Vagner Câmara/Arquivo Pessoal)

Fernando, que às vezes vira dinossauro ou elefante, além de mostrar a tromba, também envolve o casal, que se encanta com o mundo do filho. “Nós estimulamos as ideias. Mostramos que nos importamos e aceitamos o jeito que ele é. O mundo deles é divertido. Teve o momento do luto, mas hoje o momento é de diversão, e aceitação”, diz a mãe.

Michelle substituiu os momentos de ansiedade pela empatia ao filho e o projeto de prepará-lo para o futuro.  Ela é voluntária em um centro multidisciplinar de apoio a crianças autistas. Lá, pais também são ouvidos e amparados.

Vagner acompanha a esposa na associação e sempre demonstra engajamento pela causa do filho em redes sociais. Ele, assim como a esposa, é um apaixonado pelo incrível mundo à parte de Fernando.  “A gente vive num mundo onde há regras. No mundo deles não há regras, mentiras. Eles são o que querem ser”, finaliza.


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