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Jaru, 27 de novembro de 2024

Não fazer nada pode ser bom para a saúde, segundo a ciência

“A gente não gosta de fazer drama porque tem preguiça de lidar com isso”, diz Lucy, se referindo a ela mesma e outras pessoas que ela conhece.

Se você é mais propenso à preguiça — a aversão a se exaurir — pode ser que se sinta culpado por seu comportamento.
Mas Lucy, uma atriz de Melbourne, na Austrália, argumenta que ser preguiçoso não é tão ruim quanto parece – e pesquisas na verdade corroboram essa teoria dela.

“Pessoas preguiçosas deveriam ser mais valorizadas”, diz ela. “Nós encontramos o caminho mais eficiente para a linha de chegada, não perdemos o nosso tempo pegando o caminho mais pedregoso.”

Lucy diz que a preguiça é vista como um comportamento negativo, mas argumenta que ser preguiçoso pode ser visto como um atributo positivo porque torna as pessoas melhores em escolher prioridades, mais eficientes na gestão da própria energia e com maior facilidade de encontrar o caminho mais rápido para terminar uma tarefa.

Ócio criativo

Lucy diz que muitas invenções são motivadas pela preguiça, ou seja, o desejo de fazer menos esforço.

“A roda foi uma. Eles a inventaram porque era muito difícil arrastar as coisas para todo lugar… Invenções na verdade são uma forma de ter conveniência — como o telefone. Demorava muito para ir até a casa do vizinho e dizer oi.”

E ela não é a única com esse pensamento.

O criador da Microsoft Bill Gates já disse que ele escolheria uma pessoa preguiçosa para fazer um trabalho difícil porque ela descobriria o jeito mais rápido de fazê-lo.

Preguiça faz o cérebro trabalhar mais

Será que existem bases científicas para isso?

O pesquisador da Universidade de Oxford Masud Husain afirma que ser preguiçoso pode fazer com o que cérebro trabalhe mais.

Ele fez um experimento para ver se há diferenças entre os cérebros das pessoas preguiçosas e das pessoas não preguiçosas.

Seus pacientes foram divididos em categorias (motivados, apáticos e meio-termo) com base em um questionário. Depois foram testados.

“O teste perguntava se diferentes recompensas valiam o esforço físico”, explica ele. “Variávamos a recompensa e o esforço exigido para consegui-la. O esforço era que eles tinham que apertar com as mãos para conseguir a recompensa.”

O resultado foi que, para surpresa de ninguém, o grupo preguiçoso era menos propenso a fazer muito esforço para obter uma recompensa. Mas as tomografias revelaram algo interessante.

“Os cérebros das pessoas apáticas era diferente do cérebro das pessoas mais motivadas, não em termos de estrutura, mas em termos do nível de atividade que eles exibiam quando estavam tomando decisões”, diz Husain, que é professor de Neurociência Cognitiva em Oxford.

“Surpreendentemente descobiramos que os cérebros das pessoas apáticas era na verdade mais ativo que o cérebro das pessoas motivadas”, afirma.

“É como se fosse mais difícil para eles tomar aquela decisão. E havia um custo mais alto para seus cérebros em termos de tentar avaliar se algo era válido ou não.”

Ou seja, diz ele, seus cérebros trabalhavam mais. “E, claro, atividade mental vem com um custo. Você gasta combustível, queima energia no cérebro para tomar essas decisões – quando os neurônios estão ativos, eles estão consumindo energia.”

‘Doutrinação’
A jornalista da BBC Catherine Carr pesquisou como a sociedade como um todo enxerga a preguiça para o programa de rádio da BBC The Why Factor.

Em uma aula de ginástica ao ar livre em Cambridge, no Reino Unido, uma mulher disse à jornalista que foi fazer exercícios em um parque gelado em vez de passar a manhã na cama porque “ela ama e é uma ótima forma de começar o dia.”

Mas por que isso é visto como algo positivo, mas ficar na cama não? Um homem disse à Catherine que foi ensinado assim desde criança.

“[A preguiça] é moralmente errada. Fui doutrinado a acreditar que você precisa estar fazendo algo, constantemente. Tanto pelos meus pais quanto pela sociedade como um todo. Você precisar estar o tempo todo sendo produtivo, conquistar coisas.”

Outra mulher suando na aulas concorda.

“A expectativa da sociedade é que não sejamos preguiçosos, porque é algo ruim. Quando eu era criança nunca foi permitido ficar até tarde na cama porque isso é simplesmente ruim. Meus pais sempre nos acordavam cedo, mesmo no fim de semana, porque tínhamos que ‘levantar e fazer coisas’.”

A pesquisadora e professora de filosofia Anastasia Burge, da Universidade de Cambridge, afirma que essa atitude foi tão forte no passado que as pessoas eram severamente punidas por preguiça.

“Na União Soviética eles processavam pessoas pelo que chamavam de ‘parasitismo social’, que na verdade era só uma ‘preguiça’ criminosa.”, afirma.

O poeta Joseph Brodsky foi julgado e questionado: “O que você está fazendo? Qual é seu trabalho? Qual é sua profissão?”.

“Ele respondeu que era um poeta, mas isso era completamente incompreensível para os juízes e ele acabou enviado para um gulag (campo de trabalho forçado) e depois fugiu da URSS.”

Lucy argumenta que esse tipo de visão está ultrapassada e é um perigo para nossa saúde mental.

“Desconectar e ter um tempo para si — tirar uma soneca ou deitar no sofá — é importante para que seu cérebro desligue, o seu corpo desligue.”

“Nossa geração valoriza muito esses momentos de auto-cuidado e preocupação com a saúde mental, que podem ser vistos por alguns como preguiça”, diz ela.

“Nossa geração está cuidando de si mesma”.

Ela diz que trabalhar duro não dá mais os mesmos resultados que deu para gerações anteriores. “Nós não conseguimos pagar nossas hipotecas mesmo depois de 60 anos de trabalho”, diz ela. “Então percebemos que trabalhar até morrer não é um estilo de vida que dá para manter.”

Ela não apenas não pede desculpas por ser “preguiçosa” como está encorajando outras pessoas da sua geração a fazer o mesmo.

“É uma tendência que escolher um estilo de vida que seja sustentável pela vida toda. É auto-cuidado e consciência sobre nosso corpo e nossa mente. Isso inclui tirar um tempo para si.”

Fonte:BBC BRASIL


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