Agora com a aprovação do texto na Casa, o próximo passo consiste na submissão do PL 2148/15 ao Senado.
Mas o que de fato significa a proposta aprovada para as emissões de gases de efeito estufa no Brasil? Quais podem ser os impactos no panorama ambiental e econômico do país se a iniciativa for de fato transformada em lei? E como de fato funciona esse mercado de carbono?
Entenda mais abaixo.
1) O que é o PL 2148/15?
O projeto tem como objetivo estabelecer limites para as emissões de gases de efeito estufa por empresas. Ele propõe um sistema em que as empresas que excedem esses limites devem compensar suas emissões por meio da aquisição de títulos. Assim, a não conformidade com essas diretrizes pode resultar em sanções para as empresas.
Já as companhias que não atingirem esses limites vão ser beneficiadas: recebendo cotas negociáveis nesse mercado para vender com as empresas que precisam compensar suas emissões (entenda no item abaixo).
Segundo a proposta, essas operações poderão ser tributadas.
2) O que é o mercado de carbono?
Esse é um sistema de negociação que permite que as empresas comprem ou vendam unidades de gases de efeito estufa que poluem.
Embora chamado de mercado de carbono, esse sistema de compensação considera todos os gases de efeito estufa, que são os responsáveis pelo aquecimento global.
3) Como ele funciona?
Como dito acima, o mercado de carbono funciona como um sistema de negociação que permite a compra e venda de unidades de gases de efeito estufa. No processo, uma empresa que precisa atender ao seu limite de emissões investe em projetos de redução, como reflorestamento, uso de energia renovável e captura/combustão de metano.
Esses projetos geram então compensações de carbono, e a empresa recebe créditos de carbono correspondentes à quantidade reduzida de emissões.
Conforme convenção, uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) equivale a um crédito de carbono.
Entenda como funciona o mercado de carbono — Foto: Barbara Miranda/Arte g1
4) Quais empresas estão contempladas no projeto?
Todas as empresas que liberam mais de 10 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) por ano estarão sujeitas às novas diretrizes do projeto. A título de comparação, em 2021, o Brasil emitiu 2,4 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa.
Segundo a proposta, essas empresas precisarão apresentar um plano de monitoramento das emissões ao Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), entidade a ser criada para essa gestão do mercado. Fora isso, um projeto de remoção desses gases também deverá ser encaminhado.
Já os limites de emissões serão definidos especificamente para aquelas companhias que excedem 25 mil toneladas ao ano. Nesses casos, as empresas terão ainda a obrigação de enviar anualmente ao órgão gestor do SBCE um relato de conciliação periódica de obrigações.
Segundo a proposta, há a possibilidade de elevar esses níveis de emissão. Fora isso, o setor agropecuário, seguindo a abordagem do projeto aprovado no Senado, permanecerá fora do escopo do mercado.
Com isso, empresas que atuam no plantio e na pecuária ficaram de fora da regulamentação, o que gerou polêmica entre ambientalistas (entenda no item 6).
5) Quais são as multas previstas?
A penalidade estipulada para as organizações que desrespeitarem as normas do mercado regulamentado de carbono pode chegar até 3% do faturamento bruto da empresa. Contudo, o relator do projeto na Camâra, o deputado Aliel Machado (PV-PR), estabeleceu um aumento gradual desse percentual, alcançando o limite de 4% em casos de reincidência, “visando tornar a penalidade mais proporcional”.
Além disso, houve uma modificação no limite superior da multa, que passou de cinquenta milhões de R$ 5 milhões para R$ 20 milhões. Essa alteração se aplica a pessoas físicas e entidades que não podem ter sua penalidade vinculada ao faturamento. O objetivo, segundo o texto, é assegurar uma punição apropriada em determinadas situações, evitando que a multa perca sua eficácia como elemento dissuasivo.
6) Por que a questão da agropecuária gerou polêmica?
O texto do PL diz que, para os propósitos da legislação, não serão consideradas atividades, fontes ou instalações reguladas aquelas relacionadas à produção primária agropecuária. Dessa maneira, o setor da agricultura e pecuária não estará sujeito à necessidade de atender a metas específicas de redução de emissões de gases de efeito estufa.
Por isso, a decisão foi alvo de críticas por parte de ambientalistas. Isso porque a agropecuária figura como o segundo setor mais poluente em termos de CO2, respondendo por 27% das emissões nacionais. Dados de 2022 inclusive registraram os números mais elevados da série histórica para o setor, apresentando um aumento de 3,2% em relação a 2021 – o segundo maior aumento percentual desde 2004.
Embora Machado tenha proposto incluir o agronegócio no mercado regulado, a versão aprovada pelos deputados manteve a exclusão das atividades agrícolas primárias. Assim, o setor permanecerá no chamado mercado voluntário, onde não há obrigação legal de compensar emissões.
Trecho do projeto de lei que retira a agropecuária do mercado regulado de carbono. — Foto: Reprodução/Câmara dos Deputados
Nesse contexto, os créditos de conservação e restauração de florestas serão negociados conforme as características de cada projeto.
Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, criticou a decisão. Ela avalia que o projeto resultou em uma abordagem que negligencia três quartos das emissões brasileiras, tornando o texto legislativo desde o início “limitado e insuficiente”.
“Ele [o texto do PL 2148/15 que segue para o Senado] deixa de fora o agronegócio. Assim, deixa de fora 75% das emissões do país, especialmente aquelas relacionadas ao desmatamento, principal fonte de emissões de gases de efeito estufa no Brasil”.
“O projeto oficializa o faroeste de carbono florestal no Brasil. A ganância dos ruralistas, além de não levar a lugar nenhum, já que dificilmente alguém comprará esses créditos florestais, cria ruído num PL que estabelece um instrumento maduro e sofisticado para ajudar o país a cumprir suas metas climáticas com a maior eficiência possível”, acrescentou.
7) Por que a atuação dos estados também gerou impasses?
O projeto original permitia que os estados criassem mercados de carbono próprios, mas houve discordância na Câmara sobre esse assunto. Isso porque a proposta defendia que os estados administrassem todo o sistema de créditos gerado localmente com base em números de redução de desmatamento, incluindo a venda daqueles de terras privadas.
Isso atrasou a votação, mas esse ponto foi mantido e concordou-se que proprietários poderão decidir participar ou não desse sistema.
O Acre, por exemplo, já possui uma reserva de 100 milhões de toneladas de créditos de carbono disponíveis para negociação. No estado, os créditos são gerados a partir das atividades florestais e também servem como uma métrica para comprovar o serviço ambiental prestado por meio do Programa REM, de contenção do desmatamento.
Para analistas, como Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, essa questão deveria ser tratada num projeto à parte, tendo em vista que esse não é um impasse referente ao sistema de comércio de emissões, mas sim referente a reduções das emissões oriundas do desmatamento.
“Acho que é uma matéria que ainda vai render muito pano para manga e que a gente espera que seja resolvida nos canais apropriados. Não num projeto que tem como foco o setor industrial”, destaca.
8) O que deve acontecer agora?
O projeto seguirá agora para o Senado, que analisará o texto novamente.
G1