“Paraíso fiscal” é um termo empregado para descrever jurisdições onde a carga tributária é reduzida ou inexistente, permitindo que contribuintes realizem operações financeiras sem encargos fiscais significativos. Embora comumente associado a territórios estrangeiros, essa condição pode, em determinadas circunstâncias, manifestar-se também no Brasil, seja por lacunas legislativas, seja por falhas normativas que resultem na suspensão temporária da exigibilidade de determinados tributos.
No ordenamento jurídico brasileiro, a exigibilidade de um tributo depende da existência de uma lei que o institua, devendo essa instituição respeitar princípios constitucionais, como o da anterioridade tributária, que se divide em anterioridade anual e anterioridade nonagesimal. A anterioridade anual determina que um imposto recém-criado somente pode ser cobrado no exercício fiscal seguinte ao da publicação da lei que o instituiu. Já a anterioridade nonagesimal estabelece que a exigência do tributo deve observar um prazo mínimo de 90 (noventa) dias após a publicação da norma.
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Foi nesse contexto que o Estado do Amazonas, em sua incessante busca por arrecadação, editou a Lei Complementar n.º 269, de 23 de dezembro de 2024, instituindo alíquotas progressivas de 2% a 4% para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) incidente sobre heranças e doações. No entanto, a exigibilidade dessas novas alíquotas somente poderá ocorrer após o decurso do prazo nonagesimal, ou seja, a partir de 23 de março de 2025.
Ocorre que a mesma lei revogou a alíquota fixa anterior de 2%, que era aplicada a todos os casos. E, diferentemente da instituição de um imposto, cuja exigência é postergada em razão do princípio da anterioridade, a revogação de uma alíquota tem efeito imediato, salvo disposição em contrário da própria norma – o que não ocorreu no caso concreto.
Dessa forma, os amazonenses estão vivendo 90 (noventa) dias no Paraíso, sem a incidência do ITCMD sobre heranças e doações realizadas no Amazonas entre 23 de dezembro de 2024 e 23 de março de 2025. Um hiato tributário que, ainda que não intencional, evidencia as peculiaridades e lacunas do sistema tributário brasileiro.