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Jaru, 29 de março de 2024

Produtor diz que pensou em tirar a própria vida após tragédia na Kiss

Um dia após o depoimento do vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, nesta quarta-feira (25) foi a vez do produtor de palco da banda depor no Fórum de Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, sobre o incêndio na boate Kiss. Luciano Bonilha Leão teria acendido o sinalizador que iniciou no incêndio responsável por causar 242 mortes e deixar mais de 600 feridos, na noite de 27 de janeiro de 2013.

Durante o depoimento, Luciano respondeu apenas aos questionamentos do juiz Ulysses Fonseca Louzada, responsável pelo caso. Ele se reservou ao direito de permanecer em silêncio e disse que não iria responder perguntas proferidas pela acusação e defesa. Com isso, o depoimento durou cerca de 1h30.

Emocionado, o réu chorou, disse ser inocente e também vítima, e que pensou várias vezes em acabar com a própria vida. “Eu nunca quis gerar dor aos pais. Eu não sei o meu futuro. Muitas vezes pensei até em me matar. Jamais ia provocar alguma coisa que tirasse a vida de alguém”, declarou.

Ao magistrado, o funcionário da banda disse que o artefato pirotécnico nunca foi entregue aceso, e que era acionado por controle remoto. “Nunca tive poder de decisão. Eu carregava os instrumentos e levava água para os músicos. Não era produtor”, afirmou Luciano ao juiz. Segundo ele, era Danilo, gaiteiro da banda Gurizada Fandangueira e que morreu na tragédia, que decidia como ia ser o show. “Ele me dava o dinheiro e eu comprava o artefato”, contou.

Luciano afirmou ainda que o fogo era frio e chamas do artefato não queimavam. “Para mim era seguro (sobre uso do artefato). Nunca existiu um ensaio do show pirotécnico”, disse. Ele entregou dois documentos ao juiz Louzada. Em um deles, está a cópia de um e-mail em que Danilo acertava o contrato de um show.

Luciano Bonilha Leão boate kiss santa maria rs  (Foto: Alice Pavanello/RBS TV)Luciano Bonilha Leão respondeu apenas perguntas do juiz durante depoimento (Foto: Alice Pavanello/RBS TV)

Quatro réus
Além dos membros da banda, há outros dois réus no principal processo sobre a tragédia na boate Kiss. Os sócios da boate, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, serão ouvidos no começo de dezembro. Os quatro são acusados de homicídio e tentativas de homicídio com dolo eventual. Eles chegaram a ser presos nos dias seguintes ao incêndio, mas desde o fim de maio de 2013 respondem ao processo em liberdade.

O grupo Gurizada Fandangueira se apresentava na boate Kiss, no dia 27 de janeiro de 2013, quando o vocalista usou um artefato pirotécnico, que provocou um incêndio na casa noturna. As chamas se alastram pelo forro e espalharam uma fumaça tóxica no ambiente. Como resultado, 242 pessoas morreram e mais de 600 ficaram feridas.

Marcelo de Jesus dos Santos boate kiss réu santa maria rs (Foto: Hygino Vasconcellos/G1)Marcelo de Jesus dos Santos presto depoimento
nesta terça-feira (Foto: Hygino Vasconcellos/G1)

Na terça-feira, o interrogatório do vocalista Marcelo durou cerca de 2h15. Marcelo de Jesus dos santos concordou em responder os questionamentos do juiz Ulysses Fonseca Louzada, responsável pelo caso, e da acusação. Havia a possibilidade dele não responder, como prevê a Constituição.

Em um dos questionamentos, ele observou que a ideia do uso do artefato durante as apresentações da banda Gurizada Fandagueira foi do gaiteiro Danilo Jacques, que morreu durante a tragédia.

“Começou com o Danilo, e o sogro dele fazia isso, bem antes da tragédia. Umas vezes a gente fazia, outras vezes não fazia. Não era aquela coisa corriqueira”, afirmou o vocalista, acrescentando que a banda começou a usar fogos de artifício em 2009.

Questionado pelo juiz se alguma vez tinha observado as instruções do produto para uso do artefato, ele negou. Disse ainda que o sócio da boate, Elissandro Spohr, o Kiko, tinha conhecimento do uso do material dentro da casa noturna. “Kiko nunca falava nada do uso do material”.

Em relação às chamas, o vocalista disse que foi avisado do fogo por seu irmão. “Ele me tocou com a baqueta e olhei para ele e perguntei ‘o que houve?’ Olhei para cima e vi chama no forro.” Em seguida, relatou ao juiz que olhou para os lados e gritou: “Fogo, fogo, fogo, sai, sai”.

Sobre os momentos seguintes ao início das chamas, Marcelo relatou que um rapaz alcançou a ele um extintor de incêndio, que não funcionou. Também percebeu que alguém jogou água nas chamas, para tentar controlar o fogo, sem sucesso.

 

INCÊNDIO NA KISS
Tragédia em Santa Maria deixou 242 mortos em 27 de janeiro de 2013

Em seguida, conforme o relato, o vocalista olhou para pista de dança e constatou que “não tinha mais ninguém, todos correram para a porta”. Marcelos do Santos explicou que foi neste momento que tentou sair da casa noturna. No caminho para a porta, passou mal e desmaiou, no canto do palco.

“Conseguiu ver a porta?”, perguntou o juiz. “Não tinha visão perfeita, já estava baixando fumaça, não sei o que acontece com essa fumaça. Quando descia do palco, senti perder a respiração”, respondeu o vocalista.

O juiz também o indagou se ele teria tomado o microfone para avisar as pessoas para saírem da casa noturna. “Bem no início, quando meu irmão tocou a baqueta em mim”, respondeu afirmativamente.

Em um dos momentos mais marcantes do depoimento, Marcelo relatou que ainda hoje, mais de dois anos depois da tragédia, ainda tem dificuldades para falar sobre o que aconteceu e pediu perdão. Devido à declaração, alguns familiares de vítimas que acompanham o interrogatório começam a chorar. “É difícil estar sentado onde estou, minha vida mudou, mudou muito”, concluiu.

Marcelo dos Santos disse ainda que não pretende mais trabalhar com música. “Devido aos fatos que aconteceram, minha família foi sempre contra de tocar. O destino mostrou que eles estavam certo”, declarou.

No momento em que o interrogatório passou para a acusação, o advogado de Marcelo dos Santos, Marcelo Obregon, pediu para que fosse apresentado um vídeo que, segundo ele, comprova que o vocalista não saiu da casa noturna antes de todo mundo.


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